Sofro de um vício e de uma doença incuráveis: bibliocolismo e Doença Genealógica. No primeiro caso a denominação e exata descrição desse insidioso vício, que há muito me possui, fui encontrar no blog BRAVO, do escritor Paulo Roberto Pires. Tudo começou com uma dose única, há longos anos atrás, de “ História do Mundo para Crianças” de Monteiro Lobato. Desde então, necessitando de doses cada vez maiores, desencaminhei também a família para facilitar a aceitação desse dulcíssimo mau. O resultado: livros na biblioteca, nos quartos, na sala e até na dispensa. São listados oito pontos fundamentais para a caracterização do vício. Excetue-se um deles e teremos o meu estado descrito à perfeição. Diz aquele escritor:
que o bibliólico Jamais sai de casa sem ter alguma coisa para ler. “Serve revista, jornal ou bula de remédio, mas o bom mesmo é um livrinho - e ajuda a passar o tempo em metrô, consultório ou fila, além, é claro, de ser ótima proteção contra chatos interativos”; (Certa vez recebi crítica ferina por estar no antigo Bar do Chico, lendo e tomando uma cerveja).
que não consegue “passar por livraria ou sebo sem dar uma ‘olhadinha’. E, raramente, dá uma olhadinha sem dar uma compradinha.” (É a mais absoluta verdade. Estou transferindo o sebo “Recebo” para a minha casa, todo santo sábado. O problema é que Maria (a dona) tem umas viagens para Recife e as estantes voltam a se encher);
que é capaz de mudar o caminho e chegar atrasado em reunião “para comprar aquele livro fundamental. Que às vezes será lido dali a dois anos. Ou continuará fechado por outros dois”; (Quase perco o início de reunião da Andifes à procura de livros em Brasilia).
que o “bibliólico cheira. Muito. E, proustianamente, tem lembranças associadas aos aromas dos livros. O livro francês é o do bom: quando novinho, é praticamente uma viagem a Paris.” (Sei de casos avançados em que o viciado tem até mesmo vontade de morder o livro);
que “O bibliólico é um ótimo negociante. Não pode ver uma oferta. Eu mesmo já comprei três exemplares de um mesmo livro de Nabokov. Um de cada vez, pensando que não tinha comprado antes. Só pelo bom preço. Ah, sim: até hoje não o li.” (São vários os livros que tenho em duplicata. Antigamente, um em casa e outro na Universidade para algumas doses imediatas.);
que “O bibliólico tem compulsão por obras completas. Quando cisma com um autor, sai de baixo: vai comprando tudo o que pode, mesmo que dele só tenha lido um livrinho - do qual gostou muito.” (É o meu caso com Jorge Luis Borges de quem li apenas O Aleph mas continuo comprando);
que “O bibliólico causa sérios transtornos à família. Ninguém em casa aguenta mais as sacolinhas de plástico e as caixas de papelão das livrarias virtuais. Por isso, ele costuma se livrar das primeiras andando pela rua e mandar entregar as últimas no trabalho.” (Não é o meu caso. As vezes penso que minha mulher está em estado pior que o meu);
que “O bibliólico é, em geral, um sujeito pacato. Mas, cuidado, pode ser muito agressivo quando alguém chega em sua casa e, diante das pilhas e mais pilhas de livros, lança a pérfida dúvida: “você já leu isso tudo?” Ora bolas, isso é pergunta que se faça?” (Normalmente respondo que não, mas que vários livros da minha biblioteca me dão prazer antecipado, pelo prazer que ainda me darão.)
Já a chamada Doença Genealógica,inoculada juntamente com a idéia da minha origem marrana,foi descrita, já há algum tempo, por uma de suas vítimas, Doug Holmes. Pode ser diagnosticada facilmente pelos seguintes sintomas:
1.O paciente, continuamente fica pedindo por nomes, datas e lugares.
2.O paciente tem uma expressão pálida em sua face e, frequentemente parece ser surdo ao cônjuge e filhos, não tendo gosto por nenhum tipo de trabalho, exceto o de, fervorosamente procurar em registros, bibliotecas e cartórios.
3.Tem uma compulsão para escrever cartas e passa hora sentado ao computador.
4.Reclama com o carteiro quando este não lhe trás correspondências ou ameaça chutar o computador se não tem e-mail para ele.
5.Frequenta lugares estranhos, tais como: cemitérios, ruínas e áreas remotas e isoladas no interior do país. Faz chamadas secretas à noite e esconde as contas telefônicas do cônjuge.
6.O paciente resmunga consigo mesmo e tem um estranho olhar. Tem uma compulsão estranha por juntar e espalhar papéis velhos por toda a casa, deixando pilhas de papel por todo o lado, com nomes e números estranhos.
Não se conhece cura para esse mau. A Doença não é fatal, mas se torna progressivamente pior.Sua natureza incomum é tal que quanto mais doente o paciente, mais ele ou ela parecem gostar, algumas vezes dançando sozinho e gritando “Achei, Achei”. (No meu caso, cada novo ascendente que descubro e acrescento à minha árvore genealógica, pela euforia, sobe-me a pressão perigosamente).
Na passagem do ano, nada de votos e juras de mudanças e tratamentos. Que Deus me salve; mas não me cure.