sexta-feira, 25 de março de 2011

A POSSÍVEL ORIGEM DOS SEUS OLHOS AZUIS

Sempre que encontro minha prima Carmelita, terminamos por falar da nossa avó Maria Ferreira da Costa ou Maria Pedro, nascida ali em Jaguaruana, no Ceará, falecida com mais de 90 anos. Era casada com Manuel Pedro Varela, daí o Pedro, popularmente adicionado ao seu nome. Desta vez, alem do nosso assunto habitual, surgiu a questão da origem dos meus olhos azuis.

– Maria Pedro tinha os olhos azuis – diz ela - mas nem seu pai, nem sua mãe, filha dela, tinham. Expliquei, então, que minha outra avó Luisa Filgueira de Souza, também possuía essa característica. E sigo, com ar de doutor, pelo blablablá genético da recessividade, falando da necessidade de que meus pais teriam que trazer os genes dessa cor, para que ela se expressasse em mim.

– Meu pai tinha o gene que vinha da mãe dele, e minha mãe o que vinha da mãe dela – Carmelita fica pensativa, aceita o argumento, mas prefere aprofundar o assunto.

– Mas de onde viriam esses “galegos” aqui da região? – Ela se refere ao blounder, à “louridão”, aos cabelos louros e olhos azuis no Nordeste brasileiro. A questão obriga-me a continuar com essa incomoda pose de mestre, e lá vou eu, aproveitando o que li recentemente na imprensa. 

– Comecemos pelo começo, como manda a boa lógica. Os cientistas da Universidade de Copenhagen divulgaram, em 2008, o resultado de estudo com o DNA de aproximadamente 800 pessoas com olhos azuis, desde os loiros escandinavos aos turcos de tez escura. Explicam que no princípio todos teriam olhos castanhos e que uma mutação teria surgido entre o Crescente Fértil e o Noroeste do Mar Negro, hoje compreendendo a Turquia, há seis ou dez mil anos. 

E vou adiante – De acordo com os mesmos pesquisadores, a manutenção da característica deu-se dentre outros fatores, pela preferência sexual dos homens de olhos azuis por mulheres com olhos da mesma cor. 

– Não, nessa de preferência eu não acredito – diz-me ela –  você, por exemplo, escolheu casar com uma morena – e antes que explique que essa coisa de genética tem haver com estatística, não com casos particulares, ela se retira e não espera pelo resto da conversa que viria na certa.

As grandes migrações de agricultores, ocorridas naquele período, teriam transportado esta mutação para a Europa. E é aqui que começa a viagem dessa característica até o Nordeste, onde todo mundo já encontrou, pelos sertões a fora, esse tipo louro, de olhos azuis, com estatura acima da média. A explicação para a presença dessas características por aqui, desde alguns séculos, não é pacífica.

As opiniões se repartem entre as influências francesa, portuguesa e holandesa. Quanto à primeira, dada a exigüidade da participação gaulesa na região, facilmente se descarta como importante. Também no caso dos portugueses. Parece que os que vieram, foram em sua maioria mesclados de judeus e berberes, do Sul de Portugal, portanto morenos, com pouca contribuição. Restam os holandeses. 

Mas será que apenas trinta anos de domínio do Nordeste, teria sido suficiente para essa contribuição? Parece que sim. Afinal, os estudos genéticos mostram, na região, uma freqüência de 19% de cromossomos Y, do haplogrupo 2 (de origem européia), que se atribui à invasão holandesa. 

Apesar de ter havido clara proibição de contatos mais íntimos com os da terra, talvez não tenha sido exígua a contribuição holandesa para nossa etnia. Consegui rastrear vários casamentos de portuguesas ou brasileiras, com holandeses, durante aquele distante período do domínio batavo, que fortalecem essa opinião.  

Um primeiro caso é o de D. Anna Paes, rica e bela pernambucana, proprietária do Engenho Casa Forte, que enviuvando, foi engraçar-se com o Capitão Carlos Tourlon, comandante da guarda do príncipe Maurício de Nassau. E não parou por aí. Com o falecimento deste, voltou a casar com outro daquela etnia, Gilberto de With, membro do Conselho Supremo do Recife. Por conta desses enlaces, um padre daquele período, o Frei Manuel Calado não lhe poupa “elogios”. O menos que lhe acusava era de não estar casada, mas sim amancebada com hereges. 

Outra ricaça Dona Maria de Mello, também casou com um holandês, o Capitão de Cavalaria, Gaspar Van Niehof Van der Ley. Mas nesse caso, não houve problema com a Igreja, já que o Capitão largara o calvinismo e convertera-se ao catolicismo antes do casamento. Seus descendentes originaram a família Wanderley, vastíssima por toda a região. 

E ainda outra, Apolônia de Araújo, viúva do cristão-novo Rui Carvalho Pinheiro, enveredou pelo mesmo caminho, convolando núpcias com Francisco de Brá, um dos invasores que ficaram por aqui, após a expulsão.

O Comandante Joris Garstman Van Werve teve participação na história do Rio Grande do Norte tendo sido o primeiro a comandar o Castelo Keulen (Fortaleza dos Santos Reis, antes de sua tomada). Foi casado com uma filha de João Lostao Navarro, espanhol que por aqui vivia. Lostao foi morto no massacre de Uruaçu. Deixaram também larga descendência através da família Gracisman, aqui no RN e lá no Ceará.

A ojeriza da sociedade recifense se estendia, também às esposas brasileiras dos holandeses Hus, Goebell Will, Van Brolmd, Van der Hart, e Van der Schomemborde, dentre outros casos.

Como se pode ver nesta rápida digressão, parece que os casamentos registrados, são apenas a ponta do iceberg, sendo prováveis muitos outros contatos entre holandeses, e os habitantes já aqui residentes. Não se há de acreditar que, centenas de invasores tenham permanecido fieis às suas esposas distantes, ou em abstinência sexual por trinta anos. Os descendentes de casamentos realizados em período tão afastado, através dos múltiplos entrelaçamentos ao longo dos anos, distribuíram aqueles genes, praticamente por todo o Nordeste e outras regiões do nosso imenso país. 

E se Carmelita tivesse tido a paciência de ouvir essa história até aqui, era chegada a hora em que eu diria, que foi essa pelo menos uma das fontes dos genes “galegos” da minha avó, pelos Ferreira da Costa, que mais antigamente se assinavam, “Ferreira da Costa Lima”, descendentes da família Gracisman, originada naquele “Comandeur” holandês, Joris Garstman

Também teria sido essa, caro leitor, a origem dos seus olhos azuis?

quinta-feira, 17 de março de 2011

TSUNAMI NO NORDESTE


O filme Síndrome da China, de 1979, trata da cobertura jornalística do problema ocorrido em uma usina nuclear na Califórnia. Tem esse título pela seguinte razão: dizia-se, erroneamente, que se o reator da usina derretesse, faria um buraco que atingiria o outro lado do mundo – a China. Aqui pelo Nordeste, quando criança, dizíamos quase a mesma coisa: se furássemos um poço na superfície terrestre, até atingir o outro lado, atingiríamos o Japão. 

A velocidade de circulação da informação tornou o mundo pequeno. Aquele contato com o outro lado do mundo, hoje é feito com uma rapidez espantosa através dos mais variados meios de comunicação, e de repente assistimos, da nossa poltrona, toda a destruição e dor da nação amiga, inclusive o perigo da fusão do núcleo das usinas nucleares, o que alguns estão chamando de Síndrome do Japão, em contraponto ao título do filme citado. Como sempre acontece, ao saber da desgraça dos outros, começamos a pensar na possibilidade de que também nos atinja. 

Sábado passado, na Livraria Independência, um dos vendedores – Silvio – me perguntou:
 – Professor, o que você sabe a respeito do tsunami que ocorreu no Japão?
– Sei apenas o que foi noticiado, respondi. Nenhum conhecimento aprofundado sobre o assunto.
– É porque eu queria saber quantos km, terra adentro, aquele tsunami teria alcançado. Informei que não sabia e indaguei por que ele estava precisando dessa informação.
– Estou discutindo com um colega que diz que se Tibau fosse atingido por um tsunami, Mossoró também seria atingida, que você acha?

Naquele momento, embora ríssemos da preocupação do citado colega, lembrei que tempos atrás, nas altas marés, o mar adentrava o Rio Mossoró, atingindo praticamente o centro da cidade. A área onde hoje está situado o mercado da Cobal era conhecida como “Salgado”. Lá havia um pequeno campo de futebol, onde só nasciam plantas halofitas como pirrixiu e bredo, As barragens construídas ao longo do Mossoró, além de represarem a água do período chuvoso, passaram a impedir essa inundação salgada. Mas toda essa área de cerca de 42 km, entre o litoral e Mossoró, é muito plana, com uma altitude média de apenas 5 m, e por essa condição de ser facilmente invadida pela água das marés e do rio quando cheio, é que o estuário é chamado de afogado. No caso de tsunami, seria tomada pela água do mar sem dificuldade. Nossa tranqüilidade estaria na raridade do fenômeno no Atlântico.

Ao chegar em casa, alem de folhear rapidamente os livros que havia comprado no sebo (um livro de Clarisse Lispector e outro de Lygia Fagundes Telles), lembrei de verificar, com mais vagar a possibilidade de um tsunami no Nordeste. Eu já sabia que o asteróide que causou a extinção dos Dinos, há 65 milhões de anos, havia deixado marcas nas costas pernambucanas, através de um tsunami com ondas de 20 m de alturas. Mas isso, quando não havia gente por aqui para observar e morrer. E qual não foi minha surpresa, ao me deparar com informações atuais sobre o que se esta chamando de mega-tsunami, que poderá ocorrer a partir da erupção do vulcão Cumbre vieja, localizado na ilha vulcânica de La Palma, no arquipélago das Canárias.  O The Guardian noticiou, a BBC apresentou documentário e de repente todo o mundo acordou para essa possibilidade.

O cientista americano Steven Ward, da Universidade da Califórnia diz que o vulcão possui um ciclo de atividade de 250 anos e que está prestes a acordar de novo. O pior, desta vez é que ele deverá jogar ao mar, metade da montanha que o forma, uma massa com cerca de  1.5 x 1015 kg, gerando imediatamente ondas com a magnitude de 600 metros de altura. 

Se tudo ocorrer como o diabo quer e as simulações estiverem corretas, as ondas gigantes, navegando à cerca de 1000 km/hora, chegarão à costa africana em uma hora, ao Sudeste da Inglaterra em cerca de 3 horas, e à costa leste da América do Norte e ao Nordeste do Brasil, em mais ou menos 6 horas. Claro que a energia daquela onda original já estaria bastante diminuída, mas com possibilidades de produzir ainda ondas muito fortes de 4 a 8 metros de altura. 

O Jornal do Commercio de Pernambuco entrevistou o prof. João Adauto de Souza Neto, coordenador do curso de Geologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que está ciente dessa possibilidade. Diz o cientista que antes de alcançar Fernando de Noronha, a onda gigante atingiria os Estados do Ceará, Piauí, Maranhão e litoral norte do Rio Grande do Norte, o que nos coloca dentro da área de perigo.

A coisa é tão séria que na América do Norte já há estudos e preparativos para o caso do desastre vir realmente a acontecer. Cidades como Boston, Nova York, Washington D.C. e Miami, seriam severamente atingidas. Não são apressadas essas providencias, considerando o caso do Japão, que já esperava um grande terremoto há bastante tempo, mas que teve prejuízos monumentais. Para se ter uma idéia, a previsão feita em 2002, era de que quando ocorresse, cerca de 6.000 pessoas sucumbiriam quase que imediatamente. E isso está ocorrendo. No caso do Cumbre vieja, a questão também não é se, mas quando ocorrerá.

Calma, porém! Como sempre acontece, há quem duvide da magnitude do deslizamento de parte do Cumbre vieja para o mar, que gerará a onda. Tudo isso não passaria, ainda, de remota possibilidade, embora cientificamente baseada. Outros cientistas acham que o vulcão não explodiria em uma única rocha e que a onda criada seria muito menor. Mas como faz tempo que a gente escuta essa conversa de que o sertão vai virar mar, e com nosso velho hábito de só fechar a porta depois de roubado, é melhor ir pondo, calmamente, as barbas de molho. Eu, por exemplo, desejava muito mudar-me para Tibau, mas por enquanto vou ficando por aqui no Alto de São Manoel, bem no alto, longe das águas e mais perto de Deus a quem peço bênçãos para o sofrido povo japonês.

quinta-feira, 10 de março de 2011

O LIVRO DO PAPA: NÃO LI E JÁ GOSTEI


Noticia-se, que em um novo livro, o segundo volume de sua obra “Jesus de Nazaré”, o Papa Bento XVI, exime os judeus da culpa pela morte de Jesus, repudiando assim, o conceito de culpa coletiva. O livro, de 348 páginas, foi lançado hoje em Roma, em sete línguas: alemão, italiano, inglês, espanhol, francês, português e polonês. A questão já havia sido objeto de manifestação oficial da Igreja, em um importante documento produzido pelo Segundo Concílio do Vaticano em 1965: 

Se bem que os principais dos judeus, com seus seguidores, insistiram na morte de Cristo, aquilo, contudo, que se perpetrou na sua paixão não pode indistintamente ser imputado a todos os judeus que então viviam nem aos de hoje.(Nostra Aetate,1966).

Embora em 1959, o pontífice João XXIII houvesse dado um passo na direção do entendimento, ordenando retirar da liturgia as frases, judeus pérfidos e perfídia judaica, desta vez a novidade é que um Papa repete como sua interpretação teológica, a afirmação do Concílio. O mundo judaico aplaudiu o posicionamento papal sobre esta questão, que tanto sangue inocente já derramou pelos séculos a fora. Não há dúvida de que, do ponto de vista dos contatos judaico-cristãos, é mais um passo importante. 

Gostei, mas acho inócuo. E todos sabem disso. Não é fácil mudar a opinião de milhares de pessoas pelo mundo, tendo continuamente, diante dos olhos, não só a afirmação neotestamentária do Seja crucificado! (Mt.27,22), mas várias outras, como reforço do antissemitismo. Como um cristão vai aceitar uma decisão da Igreja ou o entendimento pessoal do Papa, se a cada vez que ele folhear sua Bíblia - que tem como a própria palavra de Deus - vai ler que foram os judeus que votaram favorável à morte de Jesus? E os milhares de textos da tradição, que enfatizaram a culpa judaica? Alem do mais, o Papa declara que esses volumes são escritos sob sua visão teológica e não sob a autoridade da Igreja, sendo passíveis de discussão.

Considere-se, também, que o documento do Segundo Concílio do Vaticano e o livro do Papa, embora expressem, o reconhecimento do erro cristão, atingem apenas uma reduzida minoria.

Da França continuará gritando o bispo Massilon (1663 – 1742), pregando que -  Esse povo furioso exige que Seu sangue recaia sobre ele por toda a sua posteridade; da Alemanha permanecerá berrando Lutero (1483 – 1546) através do seu panfleto Contra os judeus e seus embustes (são cerca de duzentas páginas de impropérios) associando-os ao Diabo tal como fez o apóstolo João, colocando na boca de Jesus, a afirmação de que os judeus, mesmo os que a pouco o haviam aceitado, seriam filhos do Diabo (Jo 8, 31-44).Gritos que ecoaram, por séculos, como acusação e licença para perseguir e matar.
 
Contudo, o povo católico tem agora, um documento oficial e outro papal, pessoal é verdade, ensinando que o termo “judeu”, mencionado no affair Barrabás e em outros momentos do “Novo Testamento”, se referia à cúpula sacerdotal, e não ao povo em geral.

Se há de fato a vontade de eximir os judeus dessa culpa falaciosa, a continuação do processo deverá ser feita na formação de padres e pastores, para que quando das suas futuras prédicas, rechacem as interpretações antissemitas daqueles textos, optando pela verdade. Textos, por sinal, escritos vários anos depois dos fatos, em situação de perseguição, escritos em Roma para romanos, lavando as mãos de Pilatos e sujando as dos judeus.

Que grande descoberta, essa da inocência dos judeus! Quanta maldade! Foram necessários mais de dois mil anos para que se enxergasse algo tão simples. Só alguma espécie de cegueira diabólica pode ter impedido esse entendimento por tanto tempo. Oremos pelas vítimas dessa infâmia.

quinta-feira, 3 de março de 2011

ESCRITORES FAMOSOS: ESTRANHEZAS NA VIDA E NA MORTE


Mesmo sem querer fazer uma pesquisa sistemática, sobre os fatos curiosos na vida de autores famosos, aos poucos fui acumulando informações bastante interessantes. São manias, loucuras, tragédias pessoais, modos diferentes de se encaixar no mundo, que terminam por torná-los únicos. Escrevo, neste post um pouco longo, sobre algumas dessas estranhezas, ligadas a esses que considero eternos e fiéis amigos.

Surpreendeu-me, por exemplo, saber que, fugindo da maneira habitual, Fernando Pessoa, poeta português, preferia escrever de pé, no que alias, era semelhante à Guerra Junqueira, e que o escritor americano Truman Capote, bem ao contrário, se dizia um escritor horizontal – só conseguia pensar e escrever deitado.

Quanto ao produto da atividade literária, Clarisse Lispector dizia que, provavelmente, escrevia para salvar a vida de alguém, talvez a dela própria. Rachel de Queiroz, por sua vez, revelou seu estranho desprazer por essa atividade. Nem gostava de escrever, nem de ler o que escrevera. Um grau a mais, no reino dessa estranheza, é o caso do livro Museu do Romance da Eterna, lançado recentemente no Brasil, do argentino Macedônio Fernandes, amigo e inspirador de Jorge Luis Borges, que foi escrito para não ser lido. Não é bizarro?

 E o que dizer das esquisitices do grande contista Dalton Trevisan, que arredio, não cede o telefone a ninguém, não recebe visitas, é avesso a entrevistas e cujas raras fotos surgidas na imprensa foram feitas às escondidas? Dizem que detesta as edições antigas dos seus contos, pois ao contrário de Rachel, continua a reescrevê-los, a cortar, a podar o texto. Simenon, escritor belga, criador do inspetor Maigret, também cortava muito do seu texto, mas antes de publicá-los. Por incrível que pareça, retirava tudo que fosse literário: adjetivos, advérbios e todas as palavras que pudessem causar efeito estético. Por isso, nunca gostei dos seus romances policiais, preferindo Agatha Christie, de quem li quase tudo.

Eça de Queiroz, grande estilista português, era altamente supersticioso. Quando jovem vestia-se sempre de preto e ao chegar a algum lugar dizia – Cheguei, eu e meus abutres. E ainda mais: iniciava a subida de escadas sempre com o pé direito. Se esquecia com qual pé havia começado, voltava ao primeiro degrau. Dizem ter passado muito ridículo por causa disso. Mais supersticioso que ele, só encontrei o já citado Truman Capote: 

Tenho que multiplicar todos os números: há certas pessoas para as quais jamais telefono porque o número de seus telefones multiplicados, formam algarismos que não dão sorte...Não suporto flores amarelas...não viajo em avião em que haja duas freiras.

Aparentes frivolidades para a maioria, mas significativas para certas cabeças. Edgar Allan Poe, o pai do romance policial, por exemplo, tinha verdadeiro pânico de ficar só, de ser enterrado vivo, angustia que debelava através do álcool, que o terminou matando.

Também extravagantes são algumas de suas mortes, ou os acontecimentos em torno delas. Como o que ocorreu durante a morte de Machado de Assis. O grande escritor faleceu, ao que parece, de um câncer bucal, e segundo afirma-se morreu tranquilamente. Presentes estavam seus companheiros mais íntimos: Mário de Alencar, José Veríssimo, Coelho Neto, Raimundo Correia, Rodrigo Otávio, Euclides da Cunha. Contudo, há um fato inusitado: jóias e documentos foram roubados de sua casa, durante a sua agonia. Quem teria cometido o crime? O jornal O País, noticia em 06 dezembro de 1908, o inicio do inquérito. Coincidentemente Machado escrevera em Quincas Borba:

No meio daquela agonia, atravessaram-lhe o cérebro algumas memórias banais estranhas à situação, como a notícia de um roubo de jóias lida de manhã nos jornais (...)”
Euclides da Cunha, presente ao último adeus a Machado, morreria em menos de um ano depois, de forma trágica. Refiro-me a este caso, en passant, por já ter sido muito explorado. Ficou conhecido como A Tragédia da Piedade.

Certos casos são difíceis de acreditar, pelo inusitado, por sua quase impossibilidade. Como o que aconteceu com o educador e escritor baiano Anísio Teixeira. Primeiro, pelo fato da aparente premonição da sua morte. Dois meses antes do fato escrevera para um amigo:

Por mais que busquemos aceitar a morte, ela nos chega sempre como algo de imprevisto e terrível, talvez devido seu caráter definitivo: a vida é permanente transição, interrompida por estes sobressaltos bruscos de morte". (carta a Fernando de Azevedo)

Depois, pela causa da morte. Anísio, instado pelo amigo Hermes Lima, decidira candidatar-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, e como de praxe, realizou visitas protocolares aos acadêmicos. Josué Montello, registra no seu Diário do Entardecer, o encontro que tivera com ele a esse respeito. Depois de realizar a última visita, ao lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda, Anisio desapareceu. Diz Josué:

   De repente, ao visitar outro amigo, a Fatalidade veio ao seu encontro. Anísio abriu   a porta de um elevador, que supôs à sua espera, e deu um passo firme, para se precipitar ao fundo do poço, sem que lhe vissem a queda.

 Anisio tinha toda razão sobre a imprevisibilidade da morte. Robert Lowell, poeta norte-americano, fundador da chamada poesia confessional, exalou seu último suspiro dentro de um taxi, em Nova York, em 1977. Sofreu um ataque cardíaco a caminho da reconciliação com sua segunda esposa, Elizabeth Hardwick. Roland Barthes, escritor e crítico literário francês, desenvolveu a idéia da morte do autor, defendendo o leitor e o crítico como criadores, junto com aquele, do sentido do texto. Famoso e muito solicitado, costumava freqüentar os mais importantes ambientes de Paris. Em 1980, após um desses encontros, com o então primeiro-secretário do Partido Socialista, François Mitterand, morreu atropelado em uma das ruas de Paris. Violento e inesperado final para uma mente brilhante.

Você sabia que o genial Guimarães Rosa, eleito para a Academia Brasileira de Letras, adiou sua posse por quatro anos, por medo de morrer de emoção durante o evento? Um dia criou coragem, marcou a data, empossou e morreu três dias depois, subitamente em seu apartamento em Copacabana, sozinho (a esposa estava na missa).Teria ele decidido pela posse, por saber, como médico, da morte iminente? Ou teria vivido mais se não tivesse empossado?      
       
 Pedro Nava, memorialista, e Otto Maria Carpeaux, crítico literário, tomaram conta de suas próprias mortes. Acharam que era chegado a hora e fizeram acontecer. O primeiro, aos 80 anos, depois de receber um misterioso telefonema, saiu de casa, com uma arma que ninguém sabia que tinha, e estourou os miolos. Seu corpo foi encontrado debaixo de uma árvore. Levou consigo as razões do seu ato. Se bem que se especule que o telefonema fora de um garoto de programa. O segundo faleceu em 03 de fevereiro de 1978, aos 79 anos. Causa oficial da morte: ataque cardíaco. Causa verdadeira:

Na madrugada de uma sexta-feira (03 de fevereiro de 1978), em último e vigoroso gesto, o escritor Otto Maria Carpeaux arrancou o emaranhado de tubos e sondas que atavam à vida seu precário corpo de 79 anos. “Mais liberdade”, pediu, - e lentamente mergulhou na agonia, morrendo no começo da tarde. (do livro, A Biblioteca e seus Habitantes, de Américo de Oliveira Costa).

Alerta aos escritores em potencial e àqueles que se julgam tal. Essas singularidades e destinos ocorrem naturalmente, não será por imitá-las, que as habilidades nos virão, como ocorreu com um meu amigo, pretenso músico, que ao ouvir de mim, que Beethoven era surdo, apresentou instantaneamente esse problema. 

Das superstições e manias, não escapamos, pois todos as temos. E nem da morte, sinal de igualdade na equação da vida. Só nos resta rezar para que a nossa partida seja plácida como a de Petrarca, poeta e humanista italiano do século XIV, que foi encontrado morto, de causas naturais, sentado em sua biblioteca, com a cabeça repousada sobre um livro. Uma morte literária, quase normal.