quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

JOÃO PERGENTINO



Na página 304 do vol. I da importante obra de Raimundo Soares de Brito “Ruas e Patronos de Mossoró”, encontramos o verbete sobre João Pergentino ou João da Silveira Martins. Diz Raimundo com a habitual justeza da frase que caracteriza o seu texto: “... foi figura popular e querida em Mossoró.Ocupou o cargo de Oficial de justiça por longo tempo. Foi também um folião apaixonado dos carnavais de rua da cidade. Faleceu a 29 de dezembro de 1974.”

Conheci de perto João Pergentino, morando na rua Marechal Deodoro, vizinho ao Colégio Antonio Gomes, no Bairro Paredões, já velho, fumando e bebendo muito. Tenho lembrança de que sua relação com a família, não era muito fácil. Tempos depois ao falar sobre ele com um seu parente próximo, notei a pouca estima com que era tido entre os seus. Era filho de Maria da Conceição Filgueira e de Pergentino da Silveira Martins.  Por conta desta ligação genealógica, não me chamava pelo nome, mas sim de “parente”.
João foi uma figura muito interessante de autodidata, que tive a oportunidade de encontrar na adolescência.  Demonstrava uma constante preocupação com assuntos culturais que a maioria de nós levava na galhofa. Como carnavalesco, era o animador do bloco dos índios que sempre se apresentava no carnaval. Pelo parentesco e pelo carinho que me dedicava, sempre o ouvi com respeito e atenção, mesmo quando estava bêbedo. 

Em determinado momento decidiu chamar-nos, a mim e a alguns amigos, por outros nomes. Coube-me o apelido de Martim Soares Moreno, e completou: o conquistador da virgem dos lábios de mel. Um outro garoto seria doravante Pitágoras, outro Aristóteles e todos riam com a idéia. À época nada sabia sobre o tal Soares Moreno. Só muito depois encontrei o fundador do Ceará romantizado em Iracema, de José de Alencar.  

Outra vez, pela manhã, em um daqueles bares do bairro, aos primeiros goles disse-nos: “Ontem à noite, bêbado, passei mal e pensei que ia morrer, mas não queria morrer sem esclarecer uma dúvida cruel: se o golfo do México era o maior golfo do mundo”. E não soubemos responder a essa crucial pergunta, surgida em momento tão inusitado.
Às vezes superava-se declamando poemas. Um deles me ficou na memória: Fiel, que hoje sei foi escrito por Guerra Junqueiro. Sem dúvida identificava-se com o mísero pintor da poesia, que leva para o seu muquiço um cão abandonado:
Uma vez casualmente, um mísero pintor
Um boêmio, um sonhador,
Encontrara na rua o solitário cão ;
O artista era uma alma heróica e desgraçada,
Vivendo numa escura e pobre água furtada,
O clímax ocorre quando Fiel - o cão, após ter sido expulso, retorna. O artista embrutecido, tenta livrar-se dele novamente, lançando-o em um rio, e nesse ato cai-lhe o gorro na água. O contraste entre a fidelidade do animal e a insensibilidade humana nos deixava emocionados.
Depois, subitamente
O artista arremessou o cão na água fria.
E ao dar-lhe o pontapé caiu-lhe na corrente
O gorro que trazia
Era uma saudosa, adorada lembrança
Outrora concedida
Pela mais caprichosa e mais gentil criança,
Que amara, como se ama uma só vez na vida.

E ao recolher a casa ele exclamava irado :
"E por causa do cão perdi o meu tesouro !
Andava bem melhor se o tinha envenenado !
Maldito seja o cão! Dava montanhas d'oiro,
Dava a riqueza, a glória, a existência, o futuro,
Para tornar a ver o precioso objecto,
Doce recordação daquele amor tão puro."
E deitou-se nervoso, alucinado, inquieto.
Não podia dormir.
Até nascer da manhã o vivido clarão,
Sentiu bater à porta ! Ergueu-se e foi abrir.
Recuou cheio de espanto : era o Fiel, o cão,
Que voltava arquejante, exânime, encharcado,
A tremer e a uivar no último estertor,
Caindo-lhe da boca, ao tombar fulminado,
O gorro do pintor !
Fica postada aqui esta nota sobre essa interessantíssima figura mossoroense, que me permaneceu na memória, como um tipo inesquecível. Foi quem primeiro me falou sobre as origens judaicas dos Filgueiras, que me estimulava a escrever poesias, pois neto de Tibério Burlamaqui. Poesias que nunca escrevi. E se escrevi, não publiquei.

3 comentários:

  1. Tenho vergonhas quanto aos meus possíveis versos.Permanecerão, se existem, ocultos.

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  2. ADOREI ESSE ARTIGO FALANDO SOBRE MEU AVÔ, TAMBEM ESTOU FAZENDO MINHA ARVORE GENEALOGICA E NAO TINHA O NOME DOS MEUS BISAVÓS.MUITO OBRIGADO POR ESSA POSTAGEM!!!

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