domingo, 29 de maio de 2011

DEUS NÃO JOGA DADOS COM O UNIVERSO

Achei, ainda adolescente, próximo a uma dessas casas do centro da cidade, entre uma papelada inútil jogada fora, um dos livros mais importantes da minha vida: O Critério, de Jaime Balmes. Estava bastante danificado, sem as páginas iniciais e finais, mas como era livro, levei-o para casa. Botei uma capa mal feita e ele passou a ser meu livro de cabeceira por muito tempo. O livro é um tratado de Filosofia em linguagem acessível e prática, excelente para aqueles instantes formativos da minha vida. Foi escrito em 1845, em apenas dois meses, mas ainda atualíssimo quanto aos princípios lógicos e éticos ali ensinados. Muito tempo depois, já professor, levei-o para a ESAM, onde lá permaneceu durante anos sem ser utilizado. Apenas como um velho e silencioso amigo.
 
Com a contratação de um novo professor para o nosso Departamento, aproveitei para mudar de sala ficando mais próximo ao laboratório de Entomologia onde dava minhas aulas teórico/práticas. Durante a mudança, decidi fazer uma seleção, jogando fora velhos materiais não utilizados. Os livros que descartava periodicamente costumava colocar, sem mais avisos, no hall do Departamento, de onde eram levados, aos poucos, por alunos, funcionários e até professores. Entre eles, desta vez, cada vez mais velho estava O Critério. Após manuseá-lo e reler algumas de suas paginas amareladas e quebradiças, e considerando sua raridade e valor sentimental, voltei atrás e resolvi permanecer com ele. Como estava muito danificado, pensei numa maneira de renová-lo, quem sabe através de cópia xerox e encadernação. Depois me veio a idéia de procurá-lo na internet para download, e de fato, a noite, encontrei uma versão em espanhol. 

No dia seguinte, um sábado, fui, como sempre, juntamente com minhas filhas, ao centro comercial da cidade. Dispersamo-nos de acordo com os nossos interesses: filhas para as roupas femininas, pai para as livrarias e sebos. Sou freqüentador assíduo do “Resebo”, raramente vou ao sebo do Canindé. Mas foi para este que fui naquele dia.

De acordo com o psicólogo Carl Gustav Jung, quando os acontecimentos não se relacionam por causalidade (um sendo a causa do outro), mas por relação de significado, o fenômeno é denominado Sincronicidade.  O que é diferente de coincidência, pois não implica somente na aleatoriedade das circunstâncias, mas sim num padrão subjacente que é expresso através de eventos ou relações significativos. Sua tese é que há uma dimensão na qual a psique e o mundo interagem intimamente e se refletem reciprocamente. 

O sebo do Canindé ficava próximo ao conhecido Colégio das Irmãs. As estantes estavam arrumadas já quase a partir da porta. Ao entrar vislumbrei de imediato dois livros que estavam separados, e sobre os demais. O primeiro, o de cima, não era outro senão O Critério. Capa dura, edição antiga, porém em condições bem melhores que o meu exemplar parcial. Por baixo dele, o Livro dos Espíritos, de Alan Kardec. Emocionado pela coincidência, comprei-os imediatamente. Juntos estavam, juntos foram comigo, embora não seja espírita.

Impõe-se, depois dos fatos relatados, a seguinte questão que me tem intrigado: teria a idéia de encontrar um exemplar melhor daquele raro livro,que há anos não lia, suscitada pela contratação de um professor, pela minha decisão de mudança de sala e disposição de descartar alguns livros, produzido uma correspondência com todos os fatos ligados à esse novo exemplar, a ponto de provocar o encontro que se deu, no dia seguinte, num local que não costumava frequentar? Ou seja, teria ocorrido uma Sincronicidade? Não tenho dúvida que a resposta de Jung seria positiva. Em seu consultório, enquanto uma sua paciente contava que havia sonhado com um besouro, um inseto da mesma espécie colidiu com o vidro da janela, numa coincidência assombrosa, que o levou a indagar:

Como pôde um acontecimento remoto no espaço e no tempo produzir uma correspondência psíquica quando a transmissão de energia necessária para isso não é se quer concebível?

Confesso que, alem de acrescentar mais dois livros à minha biblioteca, o ocorrido deixou-me a nítida impressão de que participava de uma grande engrenagem, que continuou a girar, e gira ainda agora. Será que Deus não joga dados com o universo?

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