sexta-feira, 6 de maio de 2011

A ESTRANHA NAÇÃO DE RAFAEL MENDES

Não lembro a data exata de quando li o livro cujo título está em epígrafe. Lembro que foi presente de um amigo da Universidade – prof. Edmilson Paiva. Moacyr Scliar, o autor faleceu a pouco. Perdeu a literatura brasileira, uma de suas mais brilhantes estrelas. Autor de mais de setenta livros, inseria-se entre os mais destacados acadêmicos brasileiros.


Arnaldo Niskier homenageou o confrade com um artigo. Nele fala de sua disponibilidade e desprendimento. Dentre outros aspectos, cita sua dedicação à ABL, pois morando em Porto Alegre, deslocava-se semanalmente para as reuniões no Rio de Janeiro, onde aproveitava o tempo disponível para escrever seus artigos para os jornais.
Vários de seus trabalhos de ficção trataram da condição judaica, como O exército de um homem só e O ciclo das água, dentre outrosAlguns, normalmente não mencionados na listagem de sua obra, foram livros de divulgação da história do judaísmo como: Judaísmo: Dispersão e Unidade, A Condição Judaica, Judaísmo (da coleção Para Saber Mais, da Editora Abril) e ainda O ABC do mundo judaico (infantil). Niskier cita outra de suas contribuições nesse sentido, uma adaptação feita por Scliar, da Hagadá, livro de rezas, em que se recorda a odisséia do povo judeu, conduzido por Moisés, nos 40 anos de travessia do deserto.
Com o trabalho que dá título a essa crônica, estendeu seu olhar também sobre a questão marrana. Marranos foram aqueles judeus que forçados à conversão ao cristianismo em Portugal e Espanha, continuavam, mesmo arriscando sua vida, a praticar sua religião ocultamente dentro do lar. A tradição ou a memória dessa origem se perpetuou no seio de muitas de nossas famílias, chegando até os dias atuais.
Scliar romantiza a saga de uma dessas famílias descendentes de marranos, focando o enredo nos Mendes, traçando sua trajetória desde a antiguidade bíblica até os tempos atuais no Rio Grande do Sul. Todos os homens da linhagem se chamam Rafael Mendes. A história se desenrola a partir de uma caixa que é entregue ao Rafael recente, e nela, roupas, fotos e anotações, haverão de levá-lo a uma viagem genealógica, semelhante a que tem sido praticada por muitos de nós.  No romance, a história dos Mendes, será contada em cadernos supostamente escritos pelo penúltimo Rafael Mendes, pai do Rafael Mendes “atual”.
No posfácio do livro Scliar assim se expressa sobre a obra:
A temática judaica e a visão histórica do Brasil se conjugam em “A estranha nação de Rafael Mendes”. Meu ponto de partida para esse livro foi a história de nosso país, no que se refere aos cristãos-novos, judeus convertidos à força pela inquisição. Lendo sobre o assunto, descobri que este grupo humano, pouco mencionado nos textos oficiais, exerceu muita influência na formação da nação brasileira.
Qualquer estudioso da historia do Brasil, facilmente verificará esta realidade: o conhecimento da importância dos cristãos-novos na história do nosso país é quase nula.Completamente desconhecida dos textos didáticos.Cada um de nós, descendente, é um Rafael Mendes e teve que cavar fundo nessa mina, até encontrar o ouro profundamente escondido, guiado pelo brilho tênue que vinha do veio aurífero da memória familiar.  
Na ficção, antes dele, conhecia apenas o livro de Octavio Mello Alvarenga – Judeu Nuquim, distinguido com o prêmio Walmap de 1967. A banca julgadora da obra era composta por Jorge Amado ,Guimarães Rosa e Antonio Olinto. Este último, na sua análise, cunhou o neologismo estória, hoje tão utilizado, para caracterizar estudos que fogem da pura investigação do real, baseado na utilização de documentos. Nesse espírito também se inclui A Estranha Nação de Rafael Mendes.
Scliar, já havia, mais de uma vez, enfatizado a importância do marrano na história do Brasil, e ao finalizar seu posfácio chega a vincular o cumprimento de sua missão como escritor, à confecção do citado livro :
Se consegui com A estranha nação de Rafael Mendes, ter proporcionado algum subsídio a esta questão, creio ter desempenhado minha missão como escritor. 

Baruch Dayan Emet  (Bendito seja o verdadeiro Juiz).

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