Gostamos de ser enganados. Uma pesquisa divulgada a pouco tempo, sobre o gosto pessoal por vinhos, comprovou essa nossa facilidade em se deixar enganar, desde que aparentemos conhecimento ou grandeza, desde que a nossa vaidade seja mimoseada. Diz a pesquisa que o preço do vinho influencia sua qualidade, seu sabor. Ele pode ser uma porcaria, desde que lhe digam que é caro, suas papilas gustativas vão pras cucuias, o vinho passa a ser uma delícia. O contrário também funciona. É bem coisa da nossa mediocridade, adoramos uma coisa balofa, sem sustança, mas que aparente importância.
Quando li a pesquisa lembrei imediatamente de vários amigos e conhecidos, que preferem uísque a uma cervejinha bem gelada. Não pelo sabor, pelo status. E o copo tem que ser apropriado. Uísque de 12 anos, em copo comum, deve perder o sabor. Com certeza perde o valor de exibição. Outros, para mostrar sua nordestinidade ou brasilidade, sua consciência cultural, preferem cachaça. Fatuidade.
Em 1957, Jorge Amado já comprovava o que diz a pesquisa moderna. Recebendo seu amigo Pablo Neruda, quando de uma sua visita ao nosso país, gastou, juntamente com outros, o que não podia para satisfazer o poeta, com os caríssimos vinhos de sua pátria, os famosos chilenos. Acabado o vinho e com a visita do poeta se prolongando por mais alguns dias, o nosso querido escritor baiano, curto de grana e querendo sacanear com o amigo, fez o seguinte: encheu as garrafas vazias com vinho bem brasileiro e, segundo ele, o Neruda continuou saboreando e exaltando, a cada copo, as qualidades dos vinhos de sua terra.
De Picasso, registra-se a seguinte anedota. Alguém visitando o grande pintor ficou admirado com a pouca ou nenhum segurança do seu atelier, qualquer pessoa poderia roubar um dos quadros. Picasso acalmou o ilustre visitante dizendo que não se preocupasse, pois não havia assinado ainda as obras ali presentes, portanto não tinham valor algum. Só depois de assinadas passariam a serem obras primas.
E para terminar essa reflexão sobre nossa capacidade de auto-ilusão interesseira, vejamos ainda um exemplo pessoal e final. Por vários anos possui e usei um relógio digital Casio F- 91W, preto, baratíssimo, comprado na pedra do mercado, custou-me talvez uns doze reais, (hoje custa 30 ou 40). Vezes sem conta ouvi comentários feitos pelos alunos, a respeito dos altos salários que nós, professores da ESAM/UFERSA, recebíamos, e a prova era o meu relógio sofisticado. Como era o professor que usava, acreditavam que deveria ser caro. Ledo engano. Relógio de plástico, de pobre, porém muito bom, a bateria durava sete anos.
Tal é o jogo de aparências que praticamos todos os dias, quase inconscientemente. Se nos disserem que é chic, de bom tom, que está na moda, faremos, usaremos e seguiremos. De drogas a ideologias.
Alias meu velho Casio F- 91W, preto, deixou definitivamente de funcionar. Nem seria conveniente que agora o utilizasse, pois ele passou a ser a prova dos noves de que alguém é terrorista, membro da Al-Qaeda, candidato a Guantánamo. É que o relogiozinho japonês tem sido utilizado para a sincronização de bombas fabricadas pelo terror.
Curiosamente um daqueles meus alunos notou nele alguma característica explosiva. Chateou-me bastante, durante as aulas, dizendo que ele era tão velho que sem dúvida deveria ser da época da II Guerra Mundial. Que danado, não se deixou enganar, enxergou pelo menos a condição de decrepitude do relógio, sem ligar para o seu “altíssimo” preço. Daria um bom degustador de vinhos.
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