Júlio Chiavenato, no seu livro O Negro no Brasil, ao analisar a ideologia do branqueamento, tangenciou o tema do antissemitismo existente implícito na obra de Gilberto Freyre. Alias, o autor assevera que o racismo contra judeus e negro, andou sempre junto no Brasil e esquematiza assim a ideologia subjacente:
O negro é passível de escravidão, não tem alma, é inferior; a escravidão no Brasil é benigna.
O judeu é passível de perseguição, é herege, é avarento; o antissemitismo no Brasil é ameno.
Assim estariam justificados a escravidão e o antissemitismo. Cita ainda Chiavenato que um autor incorpora sobremaneira essa ideologia nos seus trabalhos: Gilberto Freyre.
De fato, examinando sua obra maior – Casa-Grande e Senzala, assim também nos parece. Há citações sobre os judeus no texto e nas notas, às páginas 8, 18, 56, 71, 207, 215, 226, 228, 229 e 267, da 25ª edição, da José Olympio Editora. Examinemos apenas as citações das páginas 226 e 228.
Citando Chamberlain, o autor assume a seguinte posição sobre os judeus: Inimigos do trabalho manual, o judeu desde remotos tempos inclinou-se à escravidão, e acrescenta: o certo é que na Península muitos dos judeus mais longínquos de que se tem notícias foram donos de escravos cristãos e possuíam concubinas cristãs.
Mais adiante, assim se pronuncia o mestre: Técnicos da usura, tais se tornaram os judeus em quase toda parte por um processo de especialização quase biológica, que lhes parece ter aguçado o perfil no de ave de rapina, a mímica em constante gesto de aquisição e de posse, as mãos em garra, incapazes de semear e de criar. Capazes só de amealhar.
Em ambas as citações, Gilberto Freyre se escora em outros autores: Chamberlain, no primeiro e na segunda, Max Weber, o que aparentemente o isentaria de qualquer acusação de racismo.
Havia, no entanto, outras fontes para consulta, e por elas chegaria, o grande mestre, a um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade dos judeus na Península Ibérica e alhures. Não foi essa, porém, sua escolha.
Freyre poderia, por exemplo, saber que no período da conquista árabe da Península Ibérica, os judeus concentravam sua atividade na Agricultura e não no Comércio ou usura, como aponta na sua obra. Segundo Poliakov, isso ocorreu a tal ponto que a maior parte da legislação do Talmude foi elaborada em função de um povo de agricultores.
No período da reconquista da Espanha, foram os judeus que nos territórios tomados aos árabes, deram grande impulso à viticultura eles mesmos zelando pela sua valorização. Ou seja, a viticultura, seria à época, uma especialização do gênio judaico. No entanto, três séculos depois estava transformado em um povo de comerciantes.
Poliakov registra ainda que no século XII, houve na Espanha muitos agricultores judeus estabelecidos em terras próprias e até mesmo colônias agrícolas judaicas. Outros, talvez a maioria, moravam nos burgos fortificados, onde eram encarregados da sua organização e fortificação e até mesmo de sua defesa, não se constatando a tal especialização em usurários.
É certo que por esse tempo também existiam judeus ricos e como a escravidão já existia, é de se supor que, como todos os potentados da época, também possuíssem escravos, não sendo isso nenhuma indicação de especialização judaica.
A observação absurda e claramente depreciativa de especialização em ave de rapina deve ser considerada de um ângulo histórico semelhante e com as devidas reservas.
Que sentimento desenvolveria um povo a respeito de dinheiro, se fosse obrigado a pagar por todos os detalhes de sua existência, pagando para ir e vir, para poder vender ou comprar, para ter o direito de rezar em comum, para casar-se, pelo filho nascido e também pelos seus mortos, e que mesmo sobrevivendo sob essa situação, vivesse sempre sobressaltado, ameaçado de expulsão?
A leitura de Casa-Grande e Senzala é fundamental e recomendável, como ensaio sobre a identidade nacional e mesmo como obra literária, mas deve ser feita com cuidado, a fim de que não se perpetuem as noções erradas e racistas, que efetivamente contem.
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