quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O MUNDO LÚDICO DO CIRCO



Certas imagens permanecem indeléveis na nossa memória. Como a primeira vez que fui a um circo. Ele se instalara bem próximo à nossa residência. Era pequeno e pobre, montado em um terreno baldio, em frente à residência de um parente nosso. Havia certa excitação no ar em torno do fato. Minha mãe falou:
- Durma à tarde porque à noite vamos ao circo. Mas o sono não vem quando a gente quer e lembro que tive meu primeiro momento de insônia – insônia diurna, à tarde. Do espetáculo todo, a criança de quatro pra cinco anos, guardou apenas a fascinação pelas alvas coxas da dançarina, que ela fazia aparecer no momento certo, em que se cantava uma música, muito comentada por todos:
- Ô xente, que bicho é esse?
Ela subia um pouco a saia já curta, mostrando o resto das pernas. Era o clímax. A platéia masculina respondia:
- É uma barata, pega a chinela e mata. Mas não havia barata; ou havia e os meus olhos infantis, pouco acostumados àquela luminosidade, não conseguia enxergar.
Quando se falou que o circo ia embora, tive talvez meu primeiro sentimento de perda. Acordei de madrugada pelos ruídos do desmonte e auxiliado por um tamborete, subi na janela para ver, pela última vez, os componentes do circo. Meu pai, acordado por algum ruído que fiz, veio, apreensivo, retirar-me da janela.
Depois, já adolescente, dos vários circos que se instalavam onde hoje existe a COBAL em Mossoró, um ficou-me também na memória. Bem mais sofisticado que o primeiro, vários animais, palhaços, acrobacias e uma garota morena, que foi naquele período a paixão de todos nós. Ela cantava e dançava. Sofria por não poder assistir aos espetáculos todas as noites. Um meu amigo podia, e eu morria de ciúmes. Durante o dia ficava arrodeando o circo pretextando ver os animais se alimentando: o elefante, os cavalos, o leão em sua fétida gaiola, mas o que eu queria era vê-la. Na maioria das noites, ficava no “sereno do circo”, invejando os que podiam entrar.
Agora, tanto tempo depois, pra variar, por desfastio, voltei a esse universo lúdico com quase toda a família. Foi no domingo, e foi melhor que a programação da televisão. Essa instituição que teima em sobreviver, resistindo a ser engolida pelo monstro televisivo, modernizou-se no que foi possível, sem perder suas características. O computador controla o som, a iluminação e as belíssimas águas dançantes, as lonas possuem sistema antichamas. A casa não estava cheia. Acreditei que o apresentador falava comigo quando fez o convite: voltemos todos ao tempo de criança. E tudo se repetiu. Primeiro bailarinas, que já não me surpreendem, depois os indefectíveis palhaços, que tanto enfeitiçaram Picasso e Federico Felini, um elefante, um camelo com corcovas um pouco caídas para o lado, uma simpática lhama, uma família de acrobatas. De mais perigoso apenas o globo da morte. E de novidade apenas essa nostalgia, encerrando mais um ciclo do meu entardecer.

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