sexta-feira, 1 de abril de 2011

NOMEAR TAMBEM É ARTE

Tenho fascinação por certos títulos ou denominações. Sejam de livros, filmes ou lugares. Excluindo dessa reflexão os títulos técnicos, que primam pelo rigor em detrimento do valor estético, alguns outros me conduzem de imediato, como num passe de mágica, ao mundo imaginativo, profundo do inconsciente, extrapolando às vezes, a intenção inicial da denominação. É como se fizessem soar no meu interior, uma nota musical, harmônica ou dissonante, puramente espiritual. Clarice Lispector declarou que quando jovem, escolhia os livros pelos títulos, sem conhecimento dos seus autores, quem sabe, levada pela mesma razão.
E assim vem-me imediatamente à lembrança, no nosso estado, a poética denominação do município de Caiçara do Rio dos Ventos. O pronunciar desse nome, faz o pensamento voar por entre a armação da paliçada indígena, levado pelo vento, através das curvas do rio. Que poeta terá conjugado pela primeira vez a caiçara, aos efeitos eólicos observados, criando essa beleza de nome? Rio dos Ventos já nos encantaria sobejamente. Há outros, ainda, que provocam taquicardia lírica, como disse Câmara Cascudo: Verde Nasce, em Ceará-Mirim, Cacimba das Moças, em Currais Novos e Riacho dos Noivos, em Caraúbas. E para não se dizer que só falei dos nomes do meu estado, cito este do Maranhão, pelo esplendor que dele parece emanar: Nossa Senhora da Luz do Paço do Lumiar.
Quanto aos livros, antigamente os títulos eram longuíssimos, verdadeiros resumos da obra. Vejam por exemplo o título de um trabalho, referenciado no inventário do Pe. Faustino Gomes de Oliveira, sobre os cuidados com a saúde, que os marinheiros deviam ter durante suas longas viagens: Aviso à gente do mar sobre a sua saúde: obra necessária aos cirurgiões de navios, e em geral a todos os marinheiros, que andam  embarcados em navios, aonde não ha cirurgiões. É livro do século XVIII. Nonada diante do que se propaga por aí, que o título de livro mais longo já registrado, seria composto de nada menos que 670 palavras. Este texto, até aqui possui 279.
Modernamente, o irreverente e excelente Charles Bukowski, que Sartre dizia ser o melhor poeta da America, tem utilizado títulos longos para seus contos e poemas. Algum dos leitores já correu o risco de ter se encontrado com Bukowski? Vejam por exemplo Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amem, ou O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio, suplantados, ambos, por Em defesa de um certo tipo de poesia, de um certo tipo de vida, de um certa tipo de criatura com sangue nas veias que um dia morrerá. Nada me evocam de belo, são apenas a expressão da irreverência do autor.
Já o título do livro de Dinah Silveira de Queiroz, Floradas na Serra, traz toda a beleza da vida desabrochando nas encostas e no cimo da Serra, derramando-se pelos vales. E como as belas flores que imagino, não são outra coisa que órgãos sexuais, trás a idéia de amores nascentes, de fato retratados naquele romance. A vida parece ressurgir também no título da escandalosa autobiografia de André Gide, Si le grain ne meurt (Se o grão não morre), referência a passagem bíblica sobre o grão de trigo. Escandalosa, à época, pelas descrições de cenas de pederastia e da vida debochada de Gide. Ele, alias, impediu que Galimard (editor da Nouvelle Revue Française) publicasse a primeira edição de A la recherche du temps perdu (Em busca do tempo perdido) obra prima do também francês, Marcel Proust, cujo segundo volume possui o belíssimo título de, À l’ombre dês jeunes filles en fleurs (À sombra das moças em flor).
A tradução brasileira para Wurthering Heights – O Morro dos Ventos Uivantes,(bem mais bonita que A Colina das Ventanias), quase que nos faz ouvir os sons produzidos pelos ventos ao passar entre as montanhas, e tenho a impressão que sempre à noite. Assusta-nos tanto quanto o fantasma de Catherine assombrava Heathcliff: -  Heathcliff, it’s me, Cathy, I’ve come home...I am so cold, let in your window…
Sem querer me alongar demasiado no assunto, porque esse tipo de apreciação depende do gosto de cada um, lanço um olhar rápido sobre os autores que nos são mais próximos. Cinjo-me aos mossoroenses mais consagrados. Estes não foram bons nos seus títulos, ou talvez não tivessem a intenção estética ao nomear suas obras. Assim é que O Aprendiz de Camelô, de Jaime Hipólito Dantas, A Rua de Jaime e outros temas, de Elder Heronildes e Os Dias de Domingo de Dorian Jorge Freire, o primeiro contos e os outros, crônicas, cativam mais pelo texto. Mas são, sem dúvida, bem melhores do que os títulos anatômicos Lápis na Veia de Clauder Arcanjo e Coração, Cabeça e Estômago, do grande Camilo Castelo Branco. Alias, a estes se podem juntar, com facilidade, os títulos dos dois romances de Paulo Francis, Cabeça de Papel e Cabeça de Negro.
Outros foram mais criativos. Vejam, por exemplo, Baú de Ouropéis, do poeta Jomar da Costa Rego, onde ele ao juntar escritos diversos em um único livro julga-os com o valor de miçangas, jogadas a um canto. Chego quase a ver o brilho dessas contas, de valor apenas aparente, postas no baú. Nenhum melhor, porém, que o memorialista Raimundo Nonato da Silva. Escritor fértil, de obra vastíssima, só eu tenho 38 dos seus livros, titulava de forma magnífica: Zona do Por do Sol, Os Arrancadores da Arca da Botija, As Miragens da Estrada do Sal, Varal de Memórias, Quando cai o Nordeste, Viagem pelo Vale da Solidão: suma das memórias do sem fim são alguns exemplos das denominações que deu às suas memórias. Acredito que não haja, dentre os habitantes deste rincão, quem não se enterneça, como eu, com esses títulos, todos com significados profundamente telúricos e belos.

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