sexta-feira, 8 de abril de 2011

HIPOCONDRIA

Tenho dois velhos amigos na Universidade, que disputam qual deles é mais hipocondríaco. A última vez que encontrei um deles, falei que poderia estar sofrendo de apnéia do sono. Na verdade errei a palavra e disse – dispnéia do sono. Foi o que bastou para que ele disparasse parte do seu conhecimento enciclopédico sobre doenças:
- Não é dispnéia, é apnéia do sono – falou categórico. Em seguida discorreu com autoridade sobre os testes para diagnóstico,tratamentos e riscos.
- Você pode morrer de madrugada, não é moleza – vaticinou com sua experiência. Resultado: perdi várias noites de sono, tentando atalhar a morte que nunca veio.
O outro, em diálogo mórbido, contou-me suas últimas doenças e todos os exames efetuados. Foi um tal de apalpa daqui, fura de lá, ultrassonografia, Raio X, um exame dolorosíssimo da próstata, outro vergonhosissimo, para saber no final que estava tudo bem. Depois, prestimoso, estimulou-me a que fizesse o mesmo, do contrário poderia pagar caro mais adiante. Ele conhece até o código internacional de doenças.
Eles nem imaginam que sofro do mesmo mal. A coisa aqui vem de longe. Minha primeira manifestação dessa queda para a medicina veio quando eu estava com cerca de quatro anos. Uma menininha da vizinhança infelizmente não resistiu à difteria. Eu estava jantando quando minha mãe disse que ela tinha dificuldades para deglutir. Pronto, não consegui engolir mais nada. Tive a certeza absoluta de que eu seria a próxima vítima, afinal éramos muito próximos, eu e a Maria.
Não acredito nessa história de ressurreição, mas deveria, eu sou a prova viva de que é verdade, pelas tantas vezes que já morri e continuo por aqui. Já morri de caxumba, cobreiro, diarréia, de choque anafilático (essa vacina contra a h1n1 quase me leva), de hidrofobia (meu gato me mordeu) e por aí vai. Basta dizer que todas as minhas dores são cancerosas.
Como gosto de ler, em todos os casos saí com um conhecimento exuberante sobre esses casos clínicos. Mas não vou ao médico. Eis a minha diferença e meu ponto fraco diante dos meus colegas. Morro mas não vou ao médico. Nem gosto de tomar remédios.
Mas houve uma época que pensei em estudar medicina para aproveitar todo esse talento.  Teria sido tempo perdido. Não teria passado do terceiro ano. Moacyr Scliar, fala da síndrome do terceiro ano do curso de Medicina. É só até onde vão os hipocondríacos. Depois das cadeiras básicas, vem o ciclo clínico, e aí, sai de baixo: tome descrição de doenças e conseqüentes manifestações dos sintomas nos doentes imaginários.
O caso é sério. Scliar conta que recebeu um telefonema de um colega dizendo que não tinha a menor dúvida que estava doente e era grave. Analisara com cuidado todos os sintomas e tinha a mais absoluta das certezas, estava com lupus eritematoso sistêmico. Quando Scliar disse que a doença era mais comum em mulheres ele mudou o diagnostico pra gripe, mas continuou doente.
Vocês conhecem o caso de Abraham Lincoln? Na sua família era comum a ocorrência de paralisia e ele passou a vida inteira esperando por isso. Certa vez, estava jogando xadrez com uma moça quando de repente ficou extremamente pálido. Ela perguntou o que estava acontecendo e ele então se referiu ao mal familiar e que havia beliscado a perna várias vezes nada sentindo, portanto havia chegado o tão esperado momento de ter a sua paralisia, ao que a moça disse – Não se preocupe você estava beliscando a minha perna.
Para não cair mais no ridículo, como esse de Lincoln, de achar que vou morre e não ser verdade comprei o livro Manual de Primeiros Socorros para Hipocondríacos de Jaime Gorman.
O autor entende do ramo e o seu manual é muito instrutivo. Não passei, porém, do primeiro capítulo sobre o mal súbito. Ele não leva a sério nossa condição e o que é pior, fez-me rir tanto já no início do livro que fique com claros sintomas de que poderia ter um ataque de apoplexia. Isso mesmo, essa coisa que junto às febres, matava os personagens de romance antigamente. Hoje morrem de bala perdida ou de overdose.
 
Deixo aqui, para os meus dois amigos, as sábias recomendações colocadas na introdução do livro, para que a partir de agora possam seguir de forma científica sua mania:
1.Esteja alerta. As pessoas podem rir de você por ter um pulmão artificial na garagem ou um balão de oxigênio na dispensa, mas não importa. Você nunca sabe quando vai parar de respirar.
2.Seja ousado. É melhor dizer que “Estou com uma úlcera” do que “Não estou me sentindo bem”.
3.Tenha clareza nos seus objetivos.Afinal você quer um quarto no hospital, ou apenas um cobertor e um copo de leite quente?
4. Entre em pânico. Essa conversa de que é bom manter a calma é bobagem.
E como remate, essa frase lapidar do autor: Doença é como radiação atômica. Nem um pouquinho é aceitável. Todo problema de saúde, desde decapitação até um arranhão, deve ser tratado com a maior seriedade.

2 comentários:

  1. hahaha... Parabéns professor!
    Gostei bastante, muito cômico..
    Hoje em dia com essas doenças típicas do século XXI (diabetes, hipertensão, estresse..) é muito difícil encontrar uma pessoa que não seja um pouco hipocondríaco.
    Forte Abraço

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  2. É verdade André, essas e várias outras doenças modernas.Tenho hipertensão, sou quase diabético mas com a aposentadoria o estresse diminuiu bastante.Vou agora mesmo assistir Violação de Privacidade, com Robin William, vou ver se presta.
    Abraços e obrigado.

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