domingo, 25 de setembro de 2011

ITALIANOS DA FAMÍLIA MARTINI EM MOSSORÓ

Pedro Martini, primeiro filho de Angelo Martini.
Raimundo Nonato da Silva, escritor martinense, escreveu, na série Minhas Memórias do Oeste Potiguar, o livro Estrangeiros em Mossoró e lá registrou a presença de vários italianos ou descendentes que por aqui passaram desde tempos remotos. São doze verbetes incluindo atores, padres e outros com atividades diversas em Mossoró. Dentre eles menciona Antonio italiano e ao referir-se a ele, Raimundo menciona também a figura curiosa da velha italiana, de fala pouco compreensível, pela mistura de português e italiano que utilizava. Penso que ainda alcancei essa velha, ou outra figura feminina da família, com características semelhantes.
 
Fazendo esquina com a Igreja São José, localizada no Bairro do mesmo nome, havia uma casa, muros caídos em algumas partes, possibilitando a passagem da meninada da rua da frente para a rua dos fundos, sem dificuldades. Por lá se aboletou um grupo de italianos vindos, não sabíamos de onde, mas que despertou a nossa curiosidade infantil. Lembro de uma velha, cabelos grandes, autoritária, que falava pelos cotovelos, numa algaravia velocíssima, totalmente incompreensível para mim. Havia vários deles habitando naquela casa. Deixaram descendentes em Mossoró. Mais adiante iria conhecer de perto um deles, seu Raimundo Italiano. Passava religiosamente, à tardinha, em frente à minha casa, na Rua Delfim Moreira, a caminho da Padaria ABC, falando alto e de forma amistosa com todos. Por conversas com meu pai, soubera que nós descendíamos dos Burlamacchi, também italianos, o que nos irmanava.

Agora, voltei ao mesmo local para investigar, que família seria aquela, de que região da Itália seria originária, e colher informações sobre os descendentes. Indicaram-me a senhora Maria Edna, viúva de Raimundo Martins (Dodoca), descendente do clã, moradora na Rua Piano.

A rua mudou de nome recentemente passando a denominar-se Raimundo Martins de Oliveira, homenageando essa velha família italiana que se estabelecera nas proximidades. O Martins do nome é aportuguesamento de Martini, informou-me D. Maria Edna. Seriam originados de Nápoles. De princípio teriam se estabelecido no centro da cidade e posteriormente naquele lugar onde os encontrei quando criança. Martini seria derivado do latim Martinus, presente, sobretudo no centro-norte da Itália. 

Outra pessoa da família, D. Antonia Martins, forneceu preciosas informações genealógicas sobre essa gente. Angelo Martini seria o patriarca do grupo, marido da velha italiana chamada Maria, falecida centenária. Teriam sido pais de dois filhos, Pedro Martins de Oliveira e Antonio Martins de Oliveira. O portuguesissimo sobrenome Oliveira parece indicar cruzamento anterior com gente brasileira, ou aportuguesamento de um outro apelido italiano que tivessem. O Dicionário dos Sobrenomes Italianos, de Ciro Mioranza registra a existência de Olivier, Oliviera, Olivieri e Oliviero, muito próximos do português. Os primeiros descendentes eram apelidados de Italianos (Antonio Italiano, Raimundo Italiano, Francisca italiana, etc.), quase se transformando em um novo sobrenome. Segue um curto esboço genealógico dessa família napolitana que deixou raízes em nossa terra.

F1 - Pedro Martins de Oliveira, o primeiro filho c.c. Rita Bertoldo da Silva, pais de:
N1- Ramiro Martins de Oliveira, que foi pastor da Igreja de Cristo c.c. Francisca Rodrigues, de cujo enlace nasceram dez filhos. É nome de Rua no Bairro Aeroporto.
N2 - Raimundo Martins de Oliveira c.c. Guilhermina, com vários descendentes, entre eles outro Raimundo Martins, que foi casado com Maria Edna, primeira informante com descendência. Há membros desse ramo estabelecidos em Recife.
N3 - João Martins de Oliveira com descendentes em Mossoró e Grossos.
N4 - Marieta Martins de Oliveira c.c. Manoel Alves, pais de Amélia, que foi casada com Cristovão Gurgel da Frota.
N5 - Maria Martins de Oliveira, com descendentes na Bahia.
N6 - Francisca Martins de Oliveira c.c. Sebastião Medeiros, pais de Romualdo, Ranilson e Rosália. Lembro de Sebastião prestando serviços à ESAM, como pintor, falando que era casado com uma italiana. Seu filho Romualdo seguiu-lhe os passos. Ajudou-me a encontrar a casa de D. Antonia italiana, para a recuperação desses dados.
N7 - Fausta Martins de Oliveira c.c. Odilio Pinto,nascido em 13 de agosto de 1920, escrivão e poeta.
N8 – Francisca Martins de Oliveira c.c. Antonio Joaquim da Costa (Rouxinol), pais de D. Antonia Martins, informante, que foi casada com Jorge Silvério de Souza, com os seguintes filhos: Rogéria Martins de Souza, Jorge Henrique de Souza, Luiza Maria Martins de Souza e Antonia Flávia Martins de Souza. De outro relacionamento teve D. Antonia a Regina Martins Dantas.

F2 – Antonio Martins de Oliveira, segundo filho de Ângelo c.c. Luiza Pinheiro e foram os pais de: Adauta, Altina, Alfredo, Valter, Maria Luiza (casada com José de Almeida) e Antonio Martins, falecido durante a II Guerra Mundial.
         
Manuel Correia de Andrade escreveu o livro A Itália no Nordeste, editado em 1992, recolhendo informações sobre as famílias de origem italiana no Rio Grande do Norte, citando os Cicco, os Nesi, os Filizola, os Simonetti, os Pintolli, os Romano, os Farachi, os Toselli e os Babini. Faltaram várias outras famílias, dentre elas essa dos Martini, que agora registro para a história.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O MUNDO ALÉM DO NOSSO BAIRRO

Robert Kennedy em Natal
Quando eu tinha 14 anos meu pai fez uma puxada na nossa casa, situada à Rua Delfim Moreira, bairro São José. Era uma casa, como se dizia então, com frente de tijolo e fundo de taipa também chamada de pau-a-pique. A puxada era uma extensão do final da  casa, formando uma nova área, onde posteriormente instalamos a cozinha. Funcionava também como área de descanso, uma riqueza. Lembro que em um ano de muitas chuvas, o lado leste da casa permaneceu por alguns dias protegido apenas pela armação de madeira, enquanto nós, qual abelhas, tamponávamos as brechas com barro, lutando contra as águas das chuvas que teimavam em cair ininterruptamente. 
 
As mudanças realizadas em nossa casa, com o sacrificado salário do meu pai, eram sempre recebidas por mim com muita alegria, era sempre um passo adiante. Como quando o piso de tijolo foi substituído por cimento queimado, ou quando a luz elétrica foi instalada. Ainda lembro a primeira noite com luz elétrica, uma verdadeira explosão de luz. A lamparina havia se aposentado para sempre das minhas leituras. 

Naquele dia 23 de novembro de 1963, aos 14 anos, como de costume, devo ter passado o dia jogando futebol em algum lugar do bairro, com um poste de iluminação e outro servindo de baliza e limitando nosso campo. Minha mãe, sempre reclamava que eu só aparecia em casa para comer e dormir, e sua reclamação tinha fundo de verdade. Não lembro a hora exata, mas sei que era noitinha, quando ao mesmo tempo em que admirava o final da construção da puxada, recebia a notícia do assassinato de John F. Kennedy. Naquela idade, meus sentimentos sobre fatos dessa natureza, acompanhavam os sentimentos do meu pai, e estes eram de profunda tristeza. Lembro de que ele cogitava que a notícia poderia não ser verdadeira. Quedei-me também triste e permanecemos com os ouvidos colados ao radio, que confirmava o trágico fim do presidente americano. Por trás da tragédia estaria a URSS e isso iria facilitar o avanço comunista por essas partes do mundo.

Os americanos desenvolviam, então, o programa de assistência denominado Aliança para o Progresso, idéia de Kennedy, visando evitar a influência comunista na América Latina e que seria extinto em 1969 por Richard Nixon. Através do programa eram distribuídos remédios, leite em pó, trigo burgol, que nós chamávamos de bugu, massa de milho, às vezes queijo, às vezes roupas usadas, para as famílias carentes da região. Pode-se dizer que Natal foi bastante beneficiada pelo programa. Em 1963 o Governador Aluizio Alves viajou aos Estados Unidos para negociar diretamente com Kennedy, a construção de casas populares, o que redundou em importante bairro da nossa capital, denominado Cidade da Esperança. Da mesma fonte jorrou também o financiamento para a construção da Escola Estadual Presidente Kennedy, inaugurada por ocasião da visita à Natal, em 1964, do senador Robert Kennedy, irmão do infelicitado presidente. Um amigo meu, com alguma consciência política, dizia que tudo aquilo era feito com o dinheiro que eles haviam roubado do nosso país. 

A figura do jovem presidente americano já estava firmada no nosso imaginário, desde a crise dos mísseis em 1962. Lembro das nossas conversas de garotos, o nosso receio de uma conflagração nuclear, as discussões sobre quem seriam mais inteligentes, os russos ou os americanos. Um dos amigos dizia que o americano havia feito um fio muito fino e desafiou o russo a fazer algo mais fino; o russo teria feito um orifício no fio tornando-o oco...e por aí iam as nossas científicas ponderações e o medo do fim do mundo, que parecia tão próximo, e nós tão jovens para tanta tristeza. Seu Manoel Pedro, bodegueiro, com verve e ignorância, dizia que quando soubesse que o fim do mundo já vinha chegando ali pelo Assú, ele faria um monte de besteiras que nunca havia feito.

Vivíamos uma adolescência absolutamente normal de meninos pobres,escola pela manhã, jogo de futebol pelas ruas no resto do dia, torcendo pelo time do bairro – o Salinista, e as noites na praça da Igreja São José onde uma televisão pública, vez por outra, atacava de Tom Jones, cantando Pussycat, It’s Not Unusual, Dalilah e outras.

Aos poucos tomávamos conhecimento de que estávamos mergulhados no mundo e o que afetava outros países, também nos afetava. As ações e traumas da grande nação do norte tinham repercussões no distante Rio Grande do Norte. Pearl Harbor em 1941,com o posterior envolvimento do Brasil na II Guerra, levando à construção em Natal, da maior base americana fora dos Estados Unidos, e John F. Kennedy com a Aliança para o Progresso e a dor de sua morte prematura. Definitivamente o mundo ia além do nosso bairro.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

PELOS CAMINHOS DO MISTÉRIO: DE POE A DAN BROWN

Tenho oscilado, nas minhas leituras atuais, entre os refinados Borges e Eco, e o livre, direto e obsceno Bukowski. Quando me encho da erudição rebuscada, passo para a liberalidade total do velho Buk, the old dirt man. Hoje foi dia de Borges. Em Cinco Visões Pessoais, o grande escritor argentino se detém a analisar o conto policial e o criador do gênero, Edgar Allan Poe. Aproveita Borges para questionar a existência dos gêneros literários e para reiterar a idéia de que a obra estética requer a integração leitor/texto, para só então existir. Nesse caso, minha participação no seu texto, foi enxergar os trechos referentes aos primeiros detetives dos contos policiais como Charles Auguste Dupin, do conto Os Crimes da Rua Morgue.

Fui leitor cativo de romances e contos policiais ou rocambolescos, durante a adolescência. Na Biblioteca Municipal de Mossoró encontrei As Aventuras de Rocambole, de Ponson Du Terrail. O vai e vem na vida dos personagens, as peripécias e imprevistos despertaram paixão fulminante. Seguiu-se Raffles, o mestre do disfarce, ladrão, cavalheiro e aristocrata e depois Arsene Lupin criação de Maurice Leblanc inspirado em Raffles, com caráter similar à aquele e igualmente rocambolesco. Estes últimos conheci em livros da biblioteca do saudoso Dr. Lavoisier Maia, em parte transferida, pela sua morte, para a casa de dois velhos amigos de infância, os irmãos Gideval e Gidevan Ribeiro. Esses autores foram contemporâneos de Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes (E. W. Homung, criador de Raffles era seu cunhado). Achava fantástico o poder de dedução de Holmes, a partir do menor indício presente. 

O Dr. Lavoisier gostava de histórias de detetives, pois foi naquele resto de sua biblioteca que conheci também Maigret, personagem criada por George Simenon, de cujas histórias nunca gostei, talvez pelo estilo seco e conciso do autor. Também por lá fui apresentado a Perry Mason, advogado que terminava sempre bancando o detetive, criação de Earl Stanley Gardner, criminalista americano. Os títulos dos livros de Earl começavam sempre da mesma maneira: O Caso da Jovem Arisca, O Caso da Noiva Curiosa, O Caso das Pernas da Sorte, etc.
 
Também as revistas Mistério Magazine e X-9 foram fontes de contos de mistério, na minha juventude, alguns deles, os mais deliciosos, contados por Ellery Queen, misto de escritor e detetive.

Nenhum desses, porém, se compara, para mim, a Agatha Christie, a rainha do crime, e seu imortal Hercules Poirot (Talvez por machismo, nunca gostei de Miss Marple). Na década de 80 a Record publicou uma coleção de suas obras. Comprei quase todas, mas já não senti a mesma emoção na sua releitura. Fiz doação a uma aluna apaixonada por aquelas histórias.

Houve, e há preconceito contra o gênero, rebaixando-se seus autores a subliteratos. Veja-se a opinião do crítico Otto Maria Carpeaux:
“Não adianta condenar os romances gótico e policial porque lhes falta o valor literário. São expressões legítimas da alma coletiva, embora não literárias, e sim apenas livrescas de reações sociais, no caso, desejos coletivos de evasão. 

Foi curioso encontrar, em uma das reedições da Coleção Mossoroense, da revista Meeting, publicada em 1953, uma defesa apaixonada do romance policial, feita por Rafael Negreiros. Observa muito bem Rafael que o atrativo de alguns grandes romances como Crime e Castigo, A Cartucha de Parma e outros, em parte se deve à feição detetivesca da obra. 

Será que o mau humor do mundo acadêmico, acerca das obras de Dan Brown, se deve a isso? Seus livros são chamados de guias turísticos, queijos suíços, pelos furos que conteriam, que são alavancados apenas pela força do marketing editorial, que tratam de temas polêmicos e outras coisas do mesmo jaez. Que bobagem, são apenas escritos de natureza detetivesca, feitos para divertir, apresentando um Sherlock diferente, especialista em simbologia. Mistérios, enigmas e suspense para aquele tipo de leitor criado por Edgar Allan Poe, caracterizado por Borges como alguém que lê com incredulidade, com desconfiança especial, louco por uma surpresa a cada página, direi eu.

Assim como li aquelas famosas obras de mistério, li também Anjos e Demônios, O Código da Vinci e O Símbolo Perdido e confesso que foram leituras quase ininterruptas. Portanto, livre do pudor de alguns homens de letras, incluo meu fictício colega, professor Robert Langdon, entre aqueles velhos detetives acima citados. Suas aventuras são de tirar o fôlego. Quando eu desejar erudição, volto a Borges, ou a Eco... e, em estado de plena liberdade, quando eu não quiser entender nada, leio Joyce.