Robert Kennedy em Natal |
Quando eu tinha 14 anos meu pai fez uma puxada na nossa casa, situada à Rua Delfim Moreira, bairro São José. Era uma casa, como se dizia então, com frente de tijolo e fundo de taipa também chamada de pau-a-pique. A puxada era uma extensão do final da casa, formando uma nova área, onde posteriormente instalamos a cozinha. Funcionava também como área de descanso, uma riqueza. Lembro que em um ano de muitas chuvas, o lado leste da casa permaneceu por alguns dias protegido apenas pela armação de madeira, enquanto nós, qual abelhas, tamponávamos as brechas com barro, lutando contra as águas das chuvas que teimavam em cair ininterruptamente.
As mudanças realizadas em nossa casa, com o sacrificado salário do meu pai, eram sempre recebidas por mim com muita alegria, era sempre um passo adiante. Como quando o piso de tijolo foi substituído por cimento queimado, ou quando a luz elétrica foi instalada. Ainda lembro a primeira noite com luz elétrica, uma verdadeira explosão de luz. A lamparina havia se aposentado para sempre das minhas leituras.
Naquele dia 23 de novembro de 1963, aos 14 anos, como de costume, devo ter passado o dia jogando futebol em algum lugar do bairro, com um poste de iluminação e outro servindo de baliza e limitando nosso campo. Minha mãe, sempre reclamava que eu só aparecia em casa para comer e dormir, e sua reclamação tinha fundo de verdade. Não lembro a hora exata, mas sei que era noitinha, quando ao mesmo tempo em que admirava o final da construção da puxada, recebia a notícia do assassinato de John F. Kennedy. Naquela idade, meus sentimentos sobre fatos dessa natureza, acompanhavam os sentimentos do meu pai, e estes eram de profunda tristeza. Lembro de que ele cogitava que a notícia poderia não ser verdadeira. Quedei-me também triste e permanecemos com os ouvidos colados ao radio, que confirmava o trágico fim do presidente americano. Por trás da tragédia estaria a URSS e isso iria facilitar o avanço comunista por essas partes do mundo.
Os americanos desenvolviam, então, o programa de assistência denominado Aliança para o Progresso, idéia de Kennedy, visando evitar a influência comunista na América Latina e que seria extinto em 1969 por Richard Nixon. Através do programa eram distribuídos remédios, leite em pó, trigo burgol, que nós chamávamos de bugu, massa de milho, às vezes queijo, às vezes roupas usadas, para as famílias carentes da região. Pode-se dizer que Natal foi bastante beneficiada pelo programa. Em 1963 o Governador Aluizio Alves viajou aos Estados Unidos para negociar diretamente com Kennedy, a construção de casas populares, o que redundou em importante bairro da nossa capital, denominado Cidade da Esperança. Da mesma fonte jorrou também o financiamento para a construção da Escola Estadual Presidente Kennedy, inaugurada por ocasião da visita à Natal, em 1964, do senador Robert Kennedy, irmão do infelicitado presidente. Um amigo meu, com alguma consciência política, dizia que tudo aquilo era feito com o dinheiro que eles haviam roubado do nosso país.
A figura do jovem presidente americano já estava firmada no nosso imaginário, desde a crise dos mísseis em 1962. Lembro das nossas conversas de garotos, o nosso receio de uma conflagração nuclear, as discussões sobre quem seriam mais inteligentes, os russos ou os americanos. Um dos amigos dizia que o americano havia feito um fio muito fino e desafiou o russo a fazer algo mais fino; o russo teria feito um orifício no fio tornando-o oco...e por aí iam as nossas científicas ponderações e o medo do fim do mundo, que parecia tão próximo, e nós tão jovens para tanta tristeza. Seu Manoel Pedro, bodegueiro, com verve e ignorância, dizia que quando soubesse que o fim do mundo já vinha chegando ali pelo Assú, ele faria um monte de besteiras que nunca havia feito.
Vivíamos uma adolescência absolutamente normal de meninos pobres,escola pela manhã, jogo de futebol pelas ruas no resto do dia, torcendo pelo time do bairro – o Salinista, e as noites na praça da Igreja São José onde uma televisão pública, vez por outra, atacava de Tom Jones, cantando Pussycat, It’s Not Unusual, Dalilah e outras.
Aos poucos tomávamos conhecimento de que estávamos mergulhados no mundo e o que afetava outros países, também nos afetava. As ações e traumas da grande nação do norte tinham repercussões no distante Rio Grande do Norte. Pearl Harbor em 1941,com o posterior envolvimento do Brasil na II Guerra, levando à construção em Natal, da maior base americana fora dos Estados Unidos, e John F. Kennedy com a Aliança para o Progresso e a dor de sua morte prematura. Definitivamente o mundo ia além do nosso bairro.
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