quinta-feira, 10 de março de 2011

O LIVRO DO PAPA: NÃO LI E JÁ GOSTEI


Noticia-se, que em um novo livro, o segundo volume de sua obra “Jesus de Nazaré”, o Papa Bento XVI, exime os judeus da culpa pela morte de Jesus, repudiando assim, o conceito de culpa coletiva. O livro, de 348 páginas, foi lançado hoje em Roma, em sete línguas: alemão, italiano, inglês, espanhol, francês, português e polonês. A questão já havia sido objeto de manifestação oficial da Igreja, em um importante documento produzido pelo Segundo Concílio do Vaticano em 1965: 

Se bem que os principais dos judeus, com seus seguidores, insistiram na morte de Cristo, aquilo, contudo, que se perpetrou na sua paixão não pode indistintamente ser imputado a todos os judeus que então viviam nem aos de hoje.(Nostra Aetate,1966).

Embora em 1959, o pontífice João XXIII houvesse dado um passo na direção do entendimento, ordenando retirar da liturgia as frases, judeus pérfidos e perfídia judaica, desta vez a novidade é que um Papa repete como sua interpretação teológica, a afirmação do Concílio. O mundo judaico aplaudiu o posicionamento papal sobre esta questão, que tanto sangue inocente já derramou pelos séculos a fora. Não há dúvida de que, do ponto de vista dos contatos judaico-cristãos, é mais um passo importante. 

Gostei, mas acho inócuo. E todos sabem disso. Não é fácil mudar a opinião de milhares de pessoas pelo mundo, tendo continuamente, diante dos olhos, não só a afirmação neotestamentária do Seja crucificado! (Mt.27,22), mas várias outras, como reforço do antissemitismo. Como um cristão vai aceitar uma decisão da Igreja ou o entendimento pessoal do Papa, se a cada vez que ele folhear sua Bíblia - que tem como a própria palavra de Deus - vai ler que foram os judeus que votaram favorável à morte de Jesus? E os milhares de textos da tradição, que enfatizaram a culpa judaica? Alem do mais, o Papa declara que esses volumes são escritos sob sua visão teológica e não sob a autoridade da Igreja, sendo passíveis de discussão.

Considere-se, também, que o documento do Segundo Concílio do Vaticano e o livro do Papa, embora expressem, o reconhecimento do erro cristão, atingem apenas uma reduzida minoria.

Da França continuará gritando o bispo Massilon (1663 – 1742), pregando que -  Esse povo furioso exige que Seu sangue recaia sobre ele por toda a sua posteridade; da Alemanha permanecerá berrando Lutero (1483 – 1546) através do seu panfleto Contra os judeus e seus embustes (são cerca de duzentas páginas de impropérios) associando-os ao Diabo tal como fez o apóstolo João, colocando na boca de Jesus, a afirmação de que os judeus, mesmo os que a pouco o haviam aceitado, seriam filhos do Diabo (Jo 8, 31-44).Gritos que ecoaram, por séculos, como acusação e licença para perseguir e matar.
 
Contudo, o povo católico tem agora, um documento oficial e outro papal, pessoal é verdade, ensinando que o termo “judeu”, mencionado no affair Barrabás e em outros momentos do “Novo Testamento”, se referia à cúpula sacerdotal, e não ao povo em geral.

Se há de fato a vontade de eximir os judeus dessa culpa falaciosa, a continuação do processo deverá ser feita na formação de padres e pastores, para que quando das suas futuras prédicas, rechacem as interpretações antissemitas daqueles textos, optando pela verdade. Textos, por sinal, escritos vários anos depois dos fatos, em situação de perseguição, escritos em Roma para romanos, lavando as mãos de Pilatos e sujando as dos judeus.

Que grande descoberta, essa da inocência dos judeus! Quanta maldade! Foram necessários mais de dois mil anos para que se enxergasse algo tão simples. Só alguma espécie de cegueira diabólica pode ter impedido esse entendimento por tanto tempo. Oremos pelas vítimas dessa infâmia.

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