quinta-feira, 3 de março de 2011

ESCRITORES FAMOSOS: ESTRANHEZAS NA VIDA E NA MORTE


Mesmo sem querer fazer uma pesquisa sistemática, sobre os fatos curiosos na vida de autores famosos, aos poucos fui acumulando informações bastante interessantes. São manias, loucuras, tragédias pessoais, modos diferentes de se encaixar no mundo, que terminam por torná-los únicos. Escrevo, neste post um pouco longo, sobre algumas dessas estranhezas, ligadas a esses que considero eternos e fiéis amigos.

Surpreendeu-me, por exemplo, saber que, fugindo da maneira habitual, Fernando Pessoa, poeta português, preferia escrever de pé, no que alias, era semelhante à Guerra Junqueira, e que o escritor americano Truman Capote, bem ao contrário, se dizia um escritor horizontal – só conseguia pensar e escrever deitado.

Quanto ao produto da atividade literária, Clarisse Lispector dizia que, provavelmente, escrevia para salvar a vida de alguém, talvez a dela própria. Rachel de Queiroz, por sua vez, revelou seu estranho desprazer por essa atividade. Nem gostava de escrever, nem de ler o que escrevera. Um grau a mais, no reino dessa estranheza, é o caso do livro Museu do Romance da Eterna, lançado recentemente no Brasil, do argentino Macedônio Fernandes, amigo e inspirador de Jorge Luis Borges, que foi escrito para não ser lido. Não é bizarro?

 E o que dizer das esquisitices do grande contista Dalton Trevisan, que arredio, não cede o telefone a ninguém, não recebe visitas, é avesso a entrevistas e cujas raras fotos surgidas na imprensa foram feitas às escondidas? Dizem que detesta as edições antigas dos seus contos, pois ao contrário de Rachel, continua a reescrevê-los, a cortar, a podar o texto. Simenon, escritor belga, criador do inspetor Maigret, também cortava muito do seu texto, mas antes de publicá-los. Por incrível que pareça, retirava tudo que fosse literário: adjetivos, advérbios e todas as palavras que pudessem causar efeito estético. Por isso, nunca gostei dos seus romances policiais, preferindo Agatha Christie, de quem li quase tudo.

Eça de Queiroz, grande estilista português, era altamente supersticioso. Quando jovem vestia-se sempre de preto e ao chegar a algum lugar dizia – Cheguei, eu e meus abutres. E ainda mais: iniciava a subida de escadas sempre com o pé direito. Se esquecia com qual pé havia começado, voltava ao primeiro degrau. Dizem ter passado muito ridículo por causa disso. Mais supersticioso que ele, só encontrei o já citado Truman Capote: 

Tenho que multiplicar todos os números: há certas pessoas para as quais jamais telefono porque o número de seus telefones multiplicados, formam algarismos que não dão sorte...Não suporto flores amarelas...não viajo em avião em que haja duas freiras.

Aparentes frivolidades para a maioria, mas significativas para certas cabeças. Edgar Allan Poe, o pai do romance policial, por exemplo, tinha verdadeiro pânico de ficar só, de ser enterrado vivo, angustia que debelava através do álcool, que o terminou matando.

Também extravagantes são algumas de suas mortes, ou os acontecimentos em torno delas. Como o que ocorreu durante a morte de Machado de Assis. O grande escritor faleceu, ao que parece, de um câncer bucal, e segundo afirma-se morreu tranquilamente. Presentes estavam seus companheiros mais íntimos: Mário de Alencar, José Veríssimo, Coelho Neto, Raimundo Correia, Rodrigo Otávio, Euclides da Cunha. Contudo, há um fato inusitado: jóias e documentos foram roubados de sua casa, durante a sua agonia. Quem teria cometido o crime? O jornal O País, noticia em 06 dezembro de 1908, o inicio do inquérito. Coincidentemente Machado escrevera em Quincas Borba:

No meio daquela agonia, atravessaram-lhe o cérebro algumas memórias banais estranhas à situação, como a notícia de um roubo de jóias lida de manhã nos jornais (...)”
Euclides da Cunha, presente ao último adeus a Machado, morreria em menos de um ano depois, de forma trágica. Refiro-me a este caso, en passant, por já ter sido muito explorado. Ficou conhecido como A Tragédia da Piedade.

Certos casos são difíceis de acreditar, pelo inusitado, por sua quase impossibilidade. Como o que aconteceu com o educador e escritor baiano Anísio Teixeira. Primeiro, pelo fato da aparente premonição da sua morte. Dois meses antes do fato escrevera para um amigo:

Por mais que busquemos aceitar a morte, ela nos chega sempre como algo de imprevisto e terrível, talvez devido seu caráter definitivo: a vida é permanente transição, interrompida por estes sobressaltos bruscos de morte". (carta a Fernando de Azevedo)

Depois, pela causa da morte. Anísio, instado pelo amigo Hermes Lima, decidira candidatar-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, e como de praxe, realizou visitas protocolares aos acadêmicos. Josué Montello, registra no seu Diário do Entardecer, o encontro que tivera com ele a esse respeito. Depois de realizar a última visita, ao lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda, Anisio desapareceu. Diz Josué:

   De repente, ao visitar outro amigo, a Fatalidade veio ao seu encontro. Anísio abriu   a porta de um elevador, que supôs à sua espera, e deu um passo firme, para se precipitar ao fundo do poço, sem que lhe vissem a queda.

 Anisio tinha toda razão sobre a imprevisibilidade da morte. Robert Lowell, poeta norte-americano, fundador da chamada poesia confessional, exalou seu último suspiro dentro de um taxi, em Nova York, em 1977. Sofreu um ataque cardíaco a caminho da reconciliação com sua segunda esposa, Elizabeth Hardwick. Roland Barthes, escritor e crítico literário francês, desenvolveu a idéia da morte do autor, defendendo o leitor e o crítico como criadores, junto com aquele, do sentido do texto. Famoso e muito solicitado, costumava freqüentar os mais importantes ambientes de Paris. Em 1980, após um desses encontros, com o então primeiro-secretário do Partido Socialista, François Mitterand, morreu atropelado em uma das ruas de Paris. Violento e inesperado final para uma mente brilhante.

Você sabia que o genial Guimarães Rosa, eleito para a Academia Brasileira de Letras, adiou sua posse por quatro anos, por medo de morrer de emoção durante o evento? Um dia criou coragem, marcou a data, empossou e morreu três dias depois, subitamente em seu apartamento em Copacabana, sozinho (a esposa estava na missa).Teria ele decidido pela posse, por saber, como médico, da morte iminente? Ou teria vivido mais se não tivesse empossado?      
       
 Pedro Nava, memorialista, e Otto Maria Carpeaux, crítico literário, tomaram conta de suas próprias mortes. Acharam que era chegado a hora e fizeram acontecer. O primeiro, aos 80 anos, depois de receber um misterioso telefonema, saiu de casa, com uma arma que ninguém sabia que tinha, e estourou os miolos. Seu corpo foi encontrado debaixo de uma árvore. Levou consigo as razões do seu ato. Se bem que se especule que o telefonema fora de um garoto de programa. O segundo faleceu em 03 de fevereiro de 1978, aos 79 anos. Causa oficial da morte: ataque cardíaco. Causa verdadeira:

Na madrugada de uma sexta-feira (03 de fevereiro de 1978), em último e vigoroso gesto, o escritor Otto Maria Carpeaux arrancou o emaranhado de tubos e sondas que atavam à vida seu precário corpo de 79 anos. “Mais liberdade”, pediu, - e lentamente mergulhou na agonia, morrendo no começo da tarde. (do livro, A Biblioteca e seus Habitantes, de Américo de Oliveira Costa).

Alerta aos escritores em potencial e àqueles que se julgam tal. Essas singularidades e destinos ocorrem naturalmente, não será por imitá-las, que as habilidades nos virão, como ocorreu com um meu amigo, pretenso músico, que ao ouvir de mim, que Beethoven era surdo, apresentou instantaneamente esse problema. 

Das superstições e manias, não escapamos, pois todos as temos. E nem da morte, sinal de igualdade na equação da vida. Só nos resta rezar para que a nossa partida seja plácida como a de Petrarca, poeta e humanista italiano do século XIV, que foi encontrado morto, de causas naturais, sentado em sua biblioteca, com a cabeça repousada sobre um livro. Uma morte literária, quase normal.

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