quinta-feira, 1 de março de 2012

DOS NOMES FEIOS


Com o título acima, Luis da Camara Cascudo publicou delicioso estudo na Revista do Livro, em 1956, embora não tenha ousado ir além do palavrão Merda, ao citar a reação de sua tia-avó, sempre que era surpreendida pelos sobrinhos. Dizia Cascudo que o vocábulo mais reprimido pela educação é justamente o que nos escapa de inopino como reação a uma determinada situação irritante.

Há um único dicionário do palavrão - os nomes feios - em língua portuguesa. Foi escrito por Mario Souto Maior e contém cerca de 3.000 termos. Depois de se debruçar sobre o carnaval, o folclore da cachaça, a medicina popular e outros aspectos da cultura popular nordestina, resolveu estudar esse interessantíssimo assunto. Foi sugestão de Gilberto Freyre, que fez também o prefácio da edição de 1979 e que dizia que no momento exato,sim, o palavrão é necessário. É insubstituível.

A explosão oratória através do palavrão se dá transgredindo os limites, mais como autodefesa que agressão. Limites postos pela conveniência social. Gustavo Barbosa, em sua dissertação de mestrado intitulada Grafitos de Banheiro – A literatura proibida, diz:

...se alguns assuntos ou práticas desordenam, incomodam e precisam ser excluídos do repertório socialmente desejável, é porque ameaçam a gramática estabelecida pela ordem cultural.

É fácil constatar o que se excluí preferencialmente: o obsceno, o imoral, o que se refere à sexualidade ou à excreção, que será também o que vai sair com mais veemência nos momentos de tensão.

Gustavo estudou essas expressões despudoradas, produzidas na solidão do banheiro, no anonimato, mas essa quebra dos limites pode ser constatada todos os dias em um verdadeiro filão público desse comportamento, nas reações às famosas Pegadinhas do Mução.

Embora considerado politicamente incorreto (essa praga se espalhou demais), Mução é um dos maiores humoristas do país e as criticas que recebe se devem, sem dúvidas por trabalhar as pegadinhas tendo como ponto forte a dolorosa reação aos apelidos e situações, sugeridas por amigos e parentes das “vítimas”. Alias, por si só os apelidos que aparecem no programa poderiam ser objeto de estudo antropológico e folclórico. Referem-se a todas as partes do corpo: pé de calango, perna de sabia, pitoquinha de arroz, barriguinha de polenta, peito de macaco, pescoço de mola, papada de porco, boca de cavalo, venta de suvela, orelha seca e por aí vai.

Durante os telefonemas, a menção do apelido de forma inesperada faz a “vítima” agir como descrito acima, com palavrões, com palavras feias. Como esperado, as reações agressivas se referem quase na sua totalidade a questões sexuais. Fela da puta é o que vem primeiro, competindo com a acusação de pratica homossexual: viado, fresco, baitola, travesti, bundeiro, demonstrando a idéia que o povo tem da inferioridade moral e do rebaixamento desse tipo de atividade sexual, como valor negativo em si mesmo. O apresentador também é mimoseado vez por outra de corno ou filho de corno.

Essa fixação na ofensa sexual tem como fundamento a percepção intuitiva da importância do ato reprodutor. Não por acaso John Alcock em seu livro Animal Behavior: an evolutionary approach, diz que o comportamento reprodutivo é o ato biológico mais importante do ser vivo e o objeto central da seleção natural. Rollo May, em Eros e Repressão, não diz diferente quando afirma que ...o sexo permanece a força procriadora, o impulso que perpetua a raça, a fonte do mais intenso prazer humano... o mysterium tremendum. Portanto, dizer que você ou seus parentes não o pratica da forma esperada, é a ofensa máxima.

O repertório de impropérios do programa é riquíssimo merecendo a atenção sugerida por Camara Cascudo, no artigo citado, para que etnólogos realizassem uma análise mais atenciosa e uma exposição mais lógica de sua persistência e vitalidade ao longo dos milênios, resistindo a todas as religiões, estatutos sociais e manuais de boas maneiras.

O sucesso das pegadinhas do Mução vem daí, dessa vontade de transgressão existente em cada um de nós, homens do povo ou doutores, e que nos diverte ao aflorar durante a humilhação alheia, afinal, pimenta no cú dos outros é refresco.

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