Com o título
acima, Luis da Camara Cascudo publicou delicioso estudo na Revista do Livro, em
1956, embora não tenha ousado ir além do palavrão Merda, ao citar a reação de sua tia-avó, sempre que era
surpreendida pelos sobrinhos. Dizia Cascudo que o vocábulo mais reprimido pela
educação é justamente o que nos escapa de inopino como reação a uma determinada
situação irritante.
Há um único
dicionário do palavrão - os nomes feios - em língua portuguesa. Foi escrito por
Mario Souto Maior e contém cerca de 3.000 termos. Depois de se debruçar sobre o
carnaval, o folclore da cachaça, a medicina popular e outros aspectos da
cultura popular nordestina, resolveu estudar esse interessantíssimo assunto. Foi
sugestão de Gilberto Freyre, que fez também o prefácio da edição de 1979 e que
dizia que no momento exato,sim, o
palavrão é necessário. É insubstituível.
A explosão
oratória através do palavrão se dá transgredindo os limites, mais como
autodefesa que agressão. Limites postos pela conveniência social. Gustavo
Barbosa, em sua dissertação de mestrado intitulada Grafitos de Banheiro – A literatura proibida, diz:
...se
alguns assuntos ou práticas desordenam, incomodam e precisam ser excluídos do
repertório socialmente desejável, é porque ameaçam a gramática estabelecida
pela ordem cultural.
É fácil
constatar o que se excluí preferencialmente: o obsceno, o imoral, o que se
refere à sexualidade ou à excreção, que será também o que vai sair com mais
veemência nos momentos de tensão.
Gustavo
estudou essas expressões despudoradas, produzidas na solidão do banheiro, no
anonimato, mas essa quebra dos limites pode ser constatada todos os dias em um
verdadeiro filão público desse comportamento, nas reações às famosas Pegadinhas do Mução.
Embora
considerado politicamente incorreto (essa praga se espalhou demais), Mução é um dos maiores humoristas do
país e as criticas que recebe se devem, sem dúvidas por trabalhar as pegadinhas
tendo como ponto forte a dolorosa reação aos apelidos e situações, sugeridas
por amigos e parentes das “vítimas”. Alias, por si só os apelidos que aparecem
no programa poderiam ser objeto de estudo antropológico e folclórico.
Referem-se a todas as partes do corpo: pé de calango, perna de sabia,
pitoquinha de arroz, barriguinha de polenta, peito de macaco, pescoço de mola,
papada de porco, boca de cavalo, venta de suvela, orelha seca e por aí vai.
Durante os
telefonemas, a menção do apelido de forma inesperada faz a “vítima” agir como
descrito acima, com palavrões, com palavras feias. Como esperado, as reações
agressivas se referem quase na sua totalidade a questões sexuais. Fela da puta é o que vem primeiro, competindo
com a acusação de pratica homossexual: viado, fresco, baitola, travesti,
bundeiro, demonstrando a idéia que o povo tem da inferioridade moral e do
rebaixamento desse tipo de atividade sexual, como valor negativo em si mesmo. O
apresentador também é mimoseado vez por outra de corno ou filho de corno.
Essa fixação
na ofensa sexual tem como fundamento a percepção intuitiva da importância do
ato reprodutor. Não por acaso John Alcock em seu livro Animal Behavior: an evolutionary approach, diz que o comportamento
reprodutivo é o ato biológico mais importante do ser vivo e o objeto central da
seleção natural. Rollo May, em Eros e
Repressão, não diz diferente quando afirma que ...o sexo permanece a força procriadora, o impulso que perpetua a raça, a
fonte do mais intenso prazer humano... o
mysterium tremendum. Portanto, dizer que você ou seus parentes não o
pratica da forma esperada, é a ofensa máxima.
O repertório
de impropérios do programa é riquíssimo merecendo a atenção sugerida por Camara
Cascudo, no artigo citado, para que etnólogos realizassem uma análise mais
atenciosa e uma exposição mais lógica de sua persistência e vitalidade ao longo
dos milênios, resistindo a todas as religiões, estatutos sociais e manuais de
boas maneiras.
O sucesso das
pegadinhas do Mução vem daí, dessa
vontade de transgressão existente em cada um de nós, homens do povo ou
doutores, e que nos diverte ao aflorar durante a humilhação alheia, afinal,
pimenta no cú dos outros é refresco.
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