Quando chegamos do centro da cidade, verificamos que nossa casa havia
sido arrombada, pois a janela lateral do meu quarto de dormir estava aberta.
Dizem que de casa de pobre ladrão só leva susto, mas neste caso ele sabia o que
viera buscar: meu B 481 da Philco, único item com algum valor de troca
existente na casa. Custara-me uma bicicleta e mais alguns trocados. Era meu
sonho de dexista, minha janela para o mundo. Esse modelo foi produzido entre os
anos de 1970 e 80 e apresenta nove faixas de ondas curtas. Alem das faixas
normais de AM, OC e FM, as faixas exclusivas para os 31, 25, 19, 16 e 13
metros, facilitam muito a sintonia.
Eu praticava o dexismo sem saber que o fazia, apenas tinha muito prazer
em captar, através das ondas curtas, as emissoras de rádio dos mais distantes
países do mundo. Aperfeiçoava meu inglês acompanhando as transmissões de
emissoras como VOA (Voice of America)
ou da BBC de Londres (British
Broadcasting Corporation), embora como quase todas as outras rádios
internacionais, mantivessem seus departamentos de língua portuguesa, como
ocorre até os dias de hoje. Na caça por novas emissoras, entrava pela madruga. Por
mais fraco que estivesse o sinal, esperava pacientemente, ouvido colado, até que
o locutor anunciasse o nome da emissora. Escrevia e recebia cartões (Cartão QSL),
boletins, como London Calling e
letras das músicas da época com suas traduções. Prazer inesquecível para o meu
espírito universal, preso naquele esconso subúrbio.
Em uma fita K7 cheguei a registrar dezenas dessas transmissões. Dentre
elas a Rádio Transmundial, sinal fortíssimo, que transmitia de Bonaire, ilha holandesa
no Caribe, a Radio Tirana, da Albânia, que só falava em Enver Hoxha e nas transformações sociais
engendradas pelo socialismo, como também ocorria nas transmissões da Radio
Moscou, Radio Havana e Rádio Pequim (tudo mentira, um dia o edifício ruiu por
completo). Ouvia também a Deutsche Welle (A Voz da Alemanha), a
simpática Rádio Nederland e seu delicioso programa poliglota Happy Station, Kol Israel, a RAI,
italiana, a Rádio França, com seu inconfundível Ici Paris, e muitas e muitas outras. Dá pra imaginar a sensação de
tristeza e vazio, quando vi aquela janela arrombada e a ausência do meu rádio
Transglobe B 481.
Havia uma guerra ideológica pelas ondas do rádio, pelo uso da ionosfera.
Panfilov, em Los Piratas del Eter,
denunciava o que chamava de radioguerra, praticada pelo mundo capitalista
contra as forças socialistas, com a proliferação de sinais direcionados à
cortina de ferro. Os comunistas, por sua vez, foram e são ainda os campeões na
utilização do que se chama de Jamming,
interferência eletrônica que invadia a freqüência de transmissão,
principalmente da BBC, (China, Cuba e as Coréias até hoje utilizam esse
processo). Claro que o chamado mundo livre também usou do mesmo expediente
prejudicando a recepção da propaganda comunista ao redor do mundo.
Mas também havia mistério no correr do dial. Como certas emissoras que transmitiam uma sequência contínua
de números, seguida de alguns outros sons. Nunca liguei muito pra elas, até que
li a respeito. Ouvi-as muito em francês. Eram chamadas de Estações de Números,
até hoje não inteiramente explicadas. Também estranhas são as ditas estações
Pica-Pau, que pareciam maquinas trabalhando produzindo uma irritante sequência
de tac, tac, tac. Há muita especulação ainda hoje sobre o assunto. Parece coisa
de Arquivo X. Aliás, a série Fringe,
apresentou um episódio baseado nessa estranheza.
Fala-se que uma dessas emissoras, a estranhíssima UVB-76, depois de vinte
anos transmitindo a mesma sequência de bips, produziu algo diferente. Uma voz
interrompeu a transmissão e falou o seguinte:
UVB-76, UVB-76 – 93 882 naimina 74 14 35 74 – 9 3 8 8 2 nikolai, anna, ivan, michail, ivan, nikolai,
anna, 7, 4, 1, 4, 3, 5, 7, 4.
Os curiosos, que observam continuamente essas emissoras, relatam que freqüentemente,
conversas distantes e outros ruídos de fundo podem ser ouvidos pela estação sugerindo
a utilização de um microfone ao vivo e constantemente aberto. Em 3 de novembro
de 2001, uma conversa em russo foi ouvida: "Я - 143. Не получаю генератор. Идёт такая работа от аппаратной. ("Eu
sou o 143. Eu não recebo o oscilador (gerador). " "Isso é o que a
sala de operações está emitindo." ou "Essas são as ordens de operações.").
Não é espantoso?
Nunca desliguei completamente das ondas do radio,
embora atualmente os muitos ruídos (todo mundo tem cerca elétrica) impeçam uma
recepção adequada. Por onde andei, estudando, morando, ou trabalhando sempre
fiz questão de ter próximo a mim, um radio receptor e logo que recebi meus
primeiros trocados como professor da ESAM comprei outro Transglobe B 481. Também
uso, com certa freqüência o computador na sintonia das emissoras distantes. O
sinal é mais nítido, mas nada substitui a caça das estações estrangeiras, uma a
uma, mesmo que se corra o risco de encontrar, ali pela esquina da faixa de 25
metros, alguma mensagem estranha e assustadora.
Marcos,que pena que levaram seu radinho.Imagino como ficou seu coração.Quem sabe um dia vc o encontará?Aí vc ficará com dois,só que o primeiro,pelo que li,é mais completo.
ResponderExcluirAbraços,Lúcia Pereira.
Marcos, também sou aficcionado pelas ondas curtas do rádio, e sempre procuro por sinais estranhos nas transmissões. Estou há aproximadamente 1 ano tentando captar o sinal da misteriosa UVB-76, mas ainda não consegui.
ResponderExcluirAbraços!
Ézio
http://radiodxescuta.blogspot.com.br/
http://www.facebook.com/radioescuta
vc pode ouvir a radio nesse site http://websdr.ewi.utwente.nl:8901/ é só colocar na frequencia 4625
ExcluirCaro Ézio,
ResponderExcluirObrigado pelo contato. Na minha residência é praticamente impossível uma recepção normal, devido às muitas interferências.
Abraço