terça-feira, 27 de março de 2012

AMADORISMO NO ENSINO SUPERIOR


Considerando que as atividades universitárias são abrangidas pelo tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, os textos que se referem ao Ensino Superior são unânimes em afirmar que algumas competências são necessárias para a prática docente nesse nível educacional. O domínio em profundidade de uma determinada área do conhecimento evidencia-se em primeiro plano como essencial. Depois, é fora de dúvidas que o professor universitário deve possuir habilidades em pesquisa.

Não havendo curso de graduação para a formação desse profissional, a LDB indica legalmente os cursos de pós-graduação para a sua formação:

Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

Considera aquele documento que ao fazer mestrado ou doutorado, o futuro professor se habilita com profundidade em uma dada área do conhecimento (área de concentração) e realiza importante treinamento em pesquisa ao conduzir sua dissertação ou tese. Mas não fica descartado o especialista, desde que cumprida a Resolução nº 12/83 do antigo CFE que obriga, nos cursos de Especialização, o oferecimento de disciplinas de formação didático-pedagógica de pelo menos 60 h/aula.

A falha do Art. 66, esta no fato de que, exceto nas pós-graduações strictu sensu em áreas estritamente ligadas à educação, nesses cursos não se fala, no geral, em Didática ou Pedagogia, essenciais à atividade plena da docência, talvez pela noção errada de que esses são assuntos voltados apenas para os níveis médio e fundamental. Sobre isso dizem Selma Garrido Pimenta e Léa das Graças Anastasiou (2011):

Na maioria das instituições de ensino superior, incluindo as universidades, embora seus professores possuam experiência significativa e mesmo anos de estudos em suas áreas específicas, predomina o despreparo e até um desconhecimento científico do que seja o processo de ensino e de aprendizagem...

Dessa deficiência de conhecimento, vem o fato de que os professores desconhecem até fatos básicos como as diferenças na natureza das disciplinas e até mesmo entre assuntos numa mesma disciplina, que obrigaria a utilização de estratégias de ensino diferentes em cada caso. O predomínio de um único método de ensino – o discursivo, o mau uso das novas tecnologias, e o desrespeito às diferenças individuais dos alunos, são algumas outras provas do que dizemos. Disso resulta que embora concursados, nossos professores são, na verdade, amadores, como diz o professor Gilberto Teixeira no seu site Ser Professor Universitário, e sem a habilitação desejada para o ensino.  

O Ensino, primeiro item do tripé, a atividade mais característica e trabalhosa da academia, a atividade que recebe uma regulamentação mais estrita pelas instâncias universitárias, que determinam o que (conteúdo), quanto (carga horária) e quando  deve ser ensinado (horários), além de ser exercida por quem não está completamente habilitado, ainda recebe, por incrível que pareça, os efeitos negativos da pesquisa desenvolvida pelo docente. Esta, a pesquisa, segunda atividade do tripé, é sem dúvida a mais atraente e prazerosa, a que dá prestígio, mas que na prática, afasta bons professores da sala de aula, já que estes prezam mais serem tidos como pesquisadores, que qualquer outra coisa,deixando o ensino em segundo plano. Ousaria dizer, embora não generalizando, que o grande pesquisador é fraco professor, pela sua ausência, não refletindo no ensino, seu desempenho na pesquisa, como se poderia esperar. Nas Federais, confunde-se com servidor do CNPq, antes que do MEC.

Admito que o problema da formação desse profissional é complexo e segundo Cleoni Maria Barboza Fernandes pouco abordado em pesquisas e seminários e, ainda pouco discutido no interior das instituições universitárias.Não se resolve através de cursos de extensão de 30 ou 40 horas sobre Ensino e Aprendizagem. No início de minhas atividades procurei sanar essa deficiência através de textos e cursos variados sobre estratégias de ensino-aprendizagem, psicologia da aprendizagem e técnicas pedagógicas, com resultados razoáveis. Talvez a criação de disciplinas formativas, na pós-graduação, como já fazem algumas Universidades, ministradas por professores devidamente habilitados, seja a solução para o amadorismo no Ensino Superior.

quinta-feira, 8 de março de 2012

UVB-76, UVB-76 – 93 882 NAIMINA…



Quando chegamos do centro da cidade, verificamos que nossa casa havia sido arrombada, pois a janela lateral do meu quarto de dormir estava aberta. Dizem que de casa de pobre ladrão só leva susto, mas neste caso ele sabia o que viera buscar: meu B 481 da Philco, único item com algum valor de troca existente na casa. Custara-me uma bicicleta e mais alguns trocados. Era meu sonho de dexista, minha janela para o mundo. Esse modelo foi produzido entre os anos de 1970 e 80 e apresenta nove faixas de ondas curtas. Alem das faixas normais de AM, OC e FM, as faixas exclusivas para os 31, 25, 19, 16 e 13 metros, facilitam muito a sintonia.

      Eu praticava o dexismo sem saber que o fazia, apenas tinha muito prazer em captar, através das ondas curtas, as emissoras de rádio dos mais distantes países do mundo. Aperfeiçoava meu inglês acompanhando as transmissões de emissoras como VOA (Voice of America) ou da BBC de Londres (British Broadcasting Corporation), embora como quase todas as outras rádios internacionais, mantivessem seus departamentos de língua portuguesa, como ocorre até os dias de hoje. Na caça por novas emissoras, entrava pela madruga. Por mais fraco que estivesse o sinal, esperava pacientemente, ouvido colado, até que o locutor anunciasse o nome da emissora. Escrevia e recebia cartões (Cartão QSL), boletins, como London Calling e letras das músicas da época com suas traduções. Prazer inesquecível para o meu espírito universal, preso naquele esconso subúrbio.

     Em uma fita K7 cheguei a registrar dezenas dessas transmissões. Dentre elas a Rádio Transmundial, sinal fortíssimo, que transmitia de Bonaire, ilha holandesa no Caribe, a Radio Tirana, da Albânia, que só falava em Enver Hoxha e nas transformações sociais engendradas pelo socialismo, como também ocorria nas transmissões da Radio Moscou, Radio Havana e Rádio Pequim (tudo mentira, um dia o edifício ruiu por completo). Ouvia também a Deutsche Welle (A Voz da Alemanha), a simpática Rádio Nederland e seu delicioso programa poliglota Happy Station, Kol Israel, a RAI, italiana, a Rádio França, com seu inconfundível Ici Paris, e muitas e muitas outras. Dá pra imaginar a sensação de tristeza e vazio, quando vi aquela janela arrombada e a ausência do meu rádio Transglobe B 481.

      Havia uma guerra ideológica pelas ondas do rádio, pelo uso da ionosfera. Panfilov, em Los Piratas del Eter, denunciava o que chamava de radioguerra, praticada pelo mundo capitalista contra as forças socialistas, com a proliferação de sinais direcionados à cortina de ferro. Os comunistas, por sua vez, foram e são ainda os campeões na utilização do que se chama de Jamming, interferência eletrônica que invadia a freqüência de transmissão, principalmente da BBC, (China, Cuba e as Coréias até hoje utilizam esse processo). Claro que o chamado mundo livre também usou do mesmo expediente prejudicando a recepção da propaganda comunista ao redor do mundo.  

      Mas também havia mistério no correr do dial. Como certas emissoras que transmitiam uma sequência contínua de números, seguida de alguns outros sons. Nunca liguei muito pra elas, até que li a respeito. Ouvi-as muito em francês. Eram chamadas de Estações de Números, até hoje não inteiramente explicadas. Também estranhas são as ditas estações Pica-Pau, que pareciam maquinas trabalhando produzindo uma irritante sequência de tac, tac, tac. Há muita especulação ainda hoje sobre o assunto. Parece coisa de Arquivo X. Aliás, a série Fringe, apresentou um episódio baseado nessa estranheza.

      Fala-se que uma dessas emissoras, a estranhíssima UVB-76, depois de vinte anos transmitindo a mesma sequência de bips, produziu algo diferente. Uma voz interrompeu a transmissão e falou o seguinte:

UVB-76, UVB-76 – 93 882 naimina 74 14 35 74 – 9 3 8 8 2 nikolai, anna, ivan, michail, ivan, nikolai, anna, 7, 4, 1, 4, 3, 5, 7, 4.

      Os curiosos, que observam continuamente essas emissoras, relatam que freqüentemente, conversas distantes e outros ruídos de fundo podem ser ouvidos pela estação sugerindo a utilização de um microfone ao vivo e constantemente aberto. Em 3 de novembro de 2001, uma conversa em russo foi ouvida: "Я - 143. Не получаю генератор. Идёт такая работа от аппаратной. ("Eu sou o 143. Eu não recebo o oscilador (gerador). " "Isso é o que a sala de operações está emitindo." ou "Essas são as ordens de operações."). Não é espantoso?

      Nunca desliguei completamente das ondas do radio, embora atualmente os muitos ruídos (todo mundo tem cerca elétrica) impeçam uma recepção adequada. Por onde andei, estudando, morando, ou trabalhando sempre fiz questão de ter próximo a mim, um radio receptor e logo que recebi meus primeiros trocados como professor da ESAM comprei outro Transglobe B 481. Também uso, com certa freqüência o computador na sintonia das emissoras distantes. O sinal é mais nítido, mas nada substitui a caça das estações estrangeiras, uma a uma, mesmo que se corra o risco de encontrar, ali pela esquina da faixa de 25 metros, alguma mensagem estranha e assustadora.

quinta-feira, 1 de março de 2012

DOS NOMES FEIOS


Com o título acima, Luis da Camara Cascudo publicou delicioso estudo na Revista do Livro, em 1956, embora não tenha ousado ir além do palavrão Merda, ao citar a reação de sua tia-avó, sempre que era surpreendida pelos sobrinhos. Dizia Cascudo que o vocábulo mais reprimido pela educação é justamente o que nos escapa de inopino como reação a uma determinada situação irritante.

Há um único dicionário do palavrão - os nomes feios - em língua portuguesa. Foi escrito por Mario Souto Maior e contém cerca de 3.000 termos. Depois de se debruçar sobre o carnaval, o folclore da cachaça, a medicina popular e outros aspectos da cultura popular nordestina, resolveu estudar esse interessantíssimo assunto. Foi sugestão de Gilberto Freyre, que fez também o prefácio da edição de 1979 e que dizia que no momento exato,sim, o palavrão é necessário. É insubstituível.

A explosão oratória através do palavrão se dá transgredindo os limites, mais como autodefesa que agressão. Limites postos pela conveniência social. Gustavo Barbosa, em sua dissertação de mestrado intitulada Grafitos de Banheiro – A literatura proibida, diz:

...se alguns assuntos ou práticas desordenam, incomodam e precisam ser excluídos do repertório socialmente desejável, é porque ameaçam a gramática estabelecida pela ordem cultural.

É fácil constatar o que se excluí preferencialmente: o obsceno, o imoral, o que se refere à sexualidade ou à excreção, que será também o que vai sair com mais veemência nos momentos de tensão.

Gustavo estudou essas expressões despudoradas, produzidas na solidão do banheiro, no anonimato, mas essa quebra dos limites pode ser constatada todos os dias em um verdadeiro filão público desse comportamento, nas reações às famosas Pegadinhas do Mução.

Embora considerado politicamente incorreto (essa praga se espalhou demais), Mução é um dos maiores humoristas do país e as criticas que recebe se devem, sem dúvidas por trabalhar as pegadinhas tendo como ponto forte a dolorosa reação aos apelidos e situações, sugeridas por amigos e parentes das “vítimas”. Alias, por si só os apelidos que aparecem no programa poderiam ser objeto de estudo antropológico e folclórico. Referem-se a todas as partes do corpo: pé de calango, perna de sabia, pitoquinha de arroz, barriguinha de polenta, peito de macaco, pescoço de mola, papada de porco, boca de cavalo, venta de suvela, orelha seca e por aí vai.

Durante os telefonemas, a menção do apelido de forma inesperada faz a “vítima” agir como descrito acima, com palavrões, com palavras feias. Como esperado, as reações agressivas se referem quase na sua totalidade a questões sexuais. Fela da puta é o que vem primeiro, competindo com a acusação de pratica homossexual: viado, fresco, baitola, travesti, bundeiro, demonstrando a idéia que o povo tem da inferioridade moral e do rebaixamento desse tipo de atividade sexual, como valor negativo em si mesmo. O apresentador também é mimoseado vez por outra de corno ou filho de corno.

Essa fixação na ofensa sexual tem como fundamento a percepção intuitiva da importância do ato reprodutor. Não por acaso John Alcock em seu livro Animal Behavior: an evolutionary approach, diz que o comportamento reprodutivo é o ato biológico mais importante do ser vivo e o objeto central da seleção natural. Rollo May, em Eros e Repressão, não diz diferente quando afirma que ...o sexo permanece a força procriadora, o impulso que perpetua a raça, a fonte do mais intenso prazer humano... o mysterium tremendum. Portanto, dizer que você ou seus parentes não o pratica da forma esperada, é a ofensa máxima.

O repertório de impropérios do programa é riquíssimo merecendo a atenção sugerida por Camara Cascudo, no artigo citado, para que etnólogos realizassem uma análise mais atenciosa e uma exposição mais lógica de sua persistência e vitalidade ao longo dos milênios, resistindo a todas as religiões, estatutos sociais e manuais de boas maneiras.

O sucesso das pegadinhas do Mução vem daí, dessa vontade de transgressão existente em cada um de nós, homens do povo ou doutores, e que nos diverte ao aflorar durante a humilhação alheia, afinal, pimenta no cú dos outros é refresco.