sábado, 2 de julho de 2011

UM RETRATO DE MEU PAI

Nestor Burlamaqui à direita.
Meu pai era um cara simples como a maioria dos pais. Não foi nome de rua nem de praça, embora por dever de ofício, como militar, tenha participado de fatos importantes, durante um tumultuado período da nossa história recente. Estimulado por algumas memórias familiares e à vista de velhos documentos, tracei a trajetória que aqui exponho nesta curta nota.


Nestor Filgueira Burlamaqui nasceu a 06 de setembro de 1909 em Areia Branca, mas bem que se poderia dizer mossoroense, pelo muito tempo que aqui viveu. Era filho do piauiense Tibério Cesar Conrado Burlamaqui, poeta que fora Presidente da Intendência de Areia Branca no período de 1899 a 1901 e de Luiza Filgueira, mossoroense.

Ainda jovem foi para o Sul do país. Questionado sobre isso contou-me que trabalhava em uma padaria de seu irmão Edgar, quando decidiu sair de Mossoró, viajando inicialmente para sua cidade natal e de lá embarcando para o Rio de Janeiro.

De fato, há o registro de sua matrícula na Marinha Mercante, feita na Agência de Areia Branca, em 18 de março de 1929, aos 19 anos. Um ano depois se alistou no Exército Brasileiro, no Rio de Janeiro. Seu Certificado de Reservista de 1ª Categoria mostra que serviu no 2º Regimento de Infantaria, tendo sido incluído em 09.10.1930 e excluído por conclusão de tempo em 31.07.1937. Dizia que era Cabo telegrafista, o que é compatível com a informação oficial: era Segundo Cabo telefonista.

A reforma do Exército de 1908, reuniu quatro Companhias do 38º Batalhão de Infantaria, de Niterói e mais uma do 32º Batalhão, de Vitória, passando a constituir o 2º Regimento de Infantaria, com sede no Rio de Janeiro.

Durante o seu tempo de serviço participou de dois importantes eventos históricos: a Revolução Constitucionalista de 1932, e a Intentona Comunista de 1935. No primeiro caso, seu Regimento foi chamado a integrar as forças legais que se deslocaram para São Paulo. No segundo caso, foi mandado contra o quartel do 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, na cidade do Rio de Janeiro, foco da sublevação comunista na Vila Militar, que foi dominado em menos de 10 horas, com o sacrifício de 20 mortos entre os revoltosos. As atrocidades aí cometidas fizeram-no anticomunista. Como conseqüência, viu com bons olhos o advento da Revolução de 1964. 

Inúmeras vezes ouvi suas narrativas das ações de que participara, mas que agora não consigo identificar a qual evento se referia. Destacava principalmente o espírito de corpo do Regimento e a camaradagem que existia entre todos os soldados. Dessa época restaram algumas fotos sem data e identificação dos companheiros de farda. Uma delas em frente ao Monumento à Independência do Brasil, também chamado de Altar da Pátria, em São Paulo.

Imediatamente após seu desligamento do Exército, antes de retornar ao Rio Grande do Norte, trabalhou por curto período na Light. Sua Caderneta de Emprego (para a caixa de aposentadoria e pensões dos serviços de tração, força, luz e gás do Rio de Janeiro) data de 20.12.1937 e menciona que morava na Rua João Vicente, 111, Madureira. 

Informa ainda aquele Certificado de Reservista, que a partir da dispensa passaria a residir em Natal, à Rua Prudente de Morais, 786. Esse período em Natal, talvez corresponda ao de suas atividades na base aérea americana - Parnamirim Field - hoje Base Aérea de Natal – o famoso Trampolim da Vitória, onde dizia que teria trabalhado com americanos, vindo daí seu conhecimento de algumas palavras e frases em inglês, que vez por outra gostava de pronunciar. Houve época em que foi estimulado a buscar direitos, que supostamente teria por ter trabalhado em praça de guerra, durante a 2ª Grande Guerra.

Em 1940 procurou reativar seu vínculo com a Marinha Mercante, tendo solicitado uma segunda via de sua Caderneta de Matrícula para Tráfico, na Agência de Areia Branca, tendo que pagar os vistos atrasados correspondentes aos anos de 1931 a 1940. No carimbo do visto anual de 1943, menciona-se que morava em Natal. No visto de 1945, havia ascendido à categoria de Moço.

Em 01.08 de 1943, por influência do Desembargador Dionísio Filgueira, à época assumindo o Governo do Estado, foi admitido na função de Agente Fiscal da Prefeitura de Mossoró. Em 16.12.1952, foi exonerado desta função e nomeado Administrador do Cemitério Público e nesta função aposentou-se em 1969. 

A experiência na caserna tem influência duradoura. Minhas mais antigas lembranças de material impresso são de revistas com fotos de cunho militar. Em uma delas, uma foto de alguns japoneses rendendo-se aos americanos. Depois vieram os quadrinhos inesquecíveis. Homem que é homem não bebe água, bebe chumbo derretido, costumava brincar o meu pai. Afirmava que São Paulo queria se separar do Brasil e por isso houve a guerra de 32. Pelas virtudes militares votou no Marechal Teixeira Lott para Presidente da República, em 1960, contra Janio Quadros. Lembro de uma pequena espada, espécie de alfinete da campanha do militar. Jânio usava uma vassoura – o homem da vassoura vem aí, dizia o jingle janista. Janio ganhou a campanha e mergulhou o Brasil no abismo.

Quando voltei do mestrado ele me falou que estava adoentado.Pensou que era tuberculose, era câncer de pulmão. Operado em Fortaleza, faleceu logo após ser cirurgiado, no dia 23 de março de 1979, um pouco antes dos seus 70 anos. Um mês depois nasceu meu primeiro filho, seu primeiro neto que recebeu o nome de Nestor, em sua homenagem. 

A informação do Exército sobre sua conduta resume seu comportamento na vida: Penas disciplinares: Nenhuma; durante o tempo em que serviu neste regimento demonstrou optima conduta.

Um comentário:

  1. Muito bom saber um pouco mais sobre nosso vovô Nestor. Infelizmente não pudemos conhecê-lo. Com certeza muita coisa dele a gente vê em vc. E dessas orelhinhas, nem Athos escapou. :)

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