domingo, 19 de junho de 2011

A CHARADA É UM POUCO DIFÍCIL, (3,2)

Faz dias, num encontro de amigos e entre uma cerveja e outra, um deles rememorava, com o devido carinho e respeito, seu pai já falecido, de quem por sinal herdara o nome e as características espirituais. Manoel Reginaldo da Rocha, teria sido, além de grande maçom (é nome de Loja Maçônica em Pau dos Ferros), bom charadista.
 
E nesse universo das charadas novíssimas mergulhamos, recordando o passado. Nos meus bons tempos de adolescente, fui um adepto de todas as atividades intelectuais que um menino pobre do Bairro Paredões podia alcançar: jogo de xadrez, de damas, palavras cruzadas, charadas etc. Vários amigos se engajavam também nesses passatempos deliciosos. Lembro dos irmãos Gilberto e Geraldo Couto, em especial este último.

Elaborávamos charadas freneticamente. Dávamos um jeito de fazer chegar aos demais, com rapidez, as nossas últimas produções. Lembro que mais de uma vez encontrei, pela manhã, folhas de caderno com o desafio, que fora passada por debaixo da porta. A partir daí, gastávamos o resto do dia tentando matar a charada. Até pouco tempo, o confrade Gilbamar de Oliveira Bezerra, autor de Aquele Homem Crucificado, apelidava-me de Charada, vinculando-me ao filme de igual nome que passara no antigo Cine Cid, aí pelo início da década de 60, estrelado pelos inesquecíveis Cary Grant e Audrey Hepburn. 

Infelizmente essas atividades hoje estão esquecidas da nossa juventude. Ao fazer ou matar charadas ou palavras cruzadas, aumentávamos o nosso vocabulário e exercitávamos a nossa maquina mental. É bom lembrar que o grande escritor cearense, José de Alencar, foi um adepto do charadismo, afirmando que se aprimorou através dessa atividade. Desse tempo restou, na minha biblioteca, o Dicionário Técnico para Charadas e Palavras Cruzadas, escrito por Sylvio Alves, numa edição de 1977. Hoje, o vocabulário utilizado nas redes sociais fala por si, da pobreza vocabular daqueles sobre quem recairá o futuro do nosso país.

As charadas ainda são publicadas por alguns jornais e revistas, mas sempre como coisa de velhos. Existem em várias formas: novíssimas, sincopadas, aferesadas, casais etc. Nas novíssimas, nossa especialidade, existe o que se chama de pedras e o conceito, com a indicação das sílabas correspondentes. São as palavras-chaves. Quanto mais formem uma frase com significado, tanto mais elegantes e perfeitas. Colho na internet um exemplo simples: Aqui na terra tem dança de guerra. (1- 3). Solução: aqui, com uma sílaba = cá, terra, com três = poeira, que juntas formam uma novíssima palavra = capoeira.

Durante a conversa com o Manoel e demais irmãos, lembrei-me de uma que fiz e entreguei a Geraldo Couto como desafio. Fez sucesso à época, não tanto pela dificuldade (se bem que demoraram a mata-lá), mas pela forma, envolvendo a palavra charada. Coloquei como título desse post: A charada é um pouco difícil (3 – 2). Um senhor da vizinha cidade de Areia Branca conseguiu resolveu o enigma.

Naquela noite, claro que depois de tanta cerveja, tive dificuldade em lembrar a resposta, mas lembrei, afinal de contas a charada é um pouco difícil. Reproduzo-a aqui matando a saudade de um tempo que não volta mais, e novamente esperando sua solução.

terça-feira, 14 de junho de 2011

DE MOCHILAS E MENINAS

Aos nove anos, esqueci minha pasta escolar na bodega de Zé Henrique. Voltei rápido. Ela se encontrava sobre o balcão tal qual deixara. Não teria sido grande o prejuízo. Dentro dela apenas um ou dois cadernos, talvez um livro, lápis, borracha, coisas assim. Recordo-me pelo susto que tomei, nunca gostei de perder coisas. Ela era preta e de tamanho normal. Carregava-a pela alça, ao meu lado esquerdo (sou atrapalhado, destro na mão, sinistro no pé). Lembro que as meninas carregavam seus livro e pastas contra o peito, abraçando-os.

Em um número bem antigo da Science aprendi que algumas macacas tem o comportamento chamado de “carregar”. Levam seus filhotes e outros objetos contra o corpo, como as meninas dos humanos quando carregam suas bonecas e livros.Não lembro se 
naquele trabalho são citadas como destras ou sinistras.

Ontem vi quatro adolescentes saindo da escola. Três meninos e uma menina. Conversavam alegres e saltitantes até o quanto podiam, pois conduziam nas costa pesadas mochilas – as práticas, mas deselegantes pastas escolares atuais. A menina curvava-se muito para equilibrar todo aquele peso de talvez uns 10 quilos de material escolar.

Meninas conduzindo objetos contra o peito são mais femininas. Meninas conduzindo mochilas de 10 quilos nas costas, curvadas para frente, parecem outra coisa, são menos meninas. Nem estou lembrando das conseqüências físicas: cifose (corcunda), escoliose (desvio lateral) e lordose (desvio para cima no final da coluna). Não gosto de ver. Minhas filhas falam que as mochilas são práticas. Eu retruco – para viagens.

O padre que ensinava Francês no Estadual, depois de muito le plafond e le planchet, nos ensinava que mon cahier est dant ma seviette , e depois que ma seviette est sur la table. 

Seviette, pasta escolar em Francês. Serviette que naquele tempo eu carregava do meu lado esquerdo, e a menina de cabelos soltos, sorriso franco e inocente, carregava abraçando contra o peito, adocicando meu coração.

O padre não usava batina já naquele tempo. Tempo em que eu só era aprovado nas línguas – Português, Francês e Inglês - pois o futebol, responsável pelas minhas centenas de faltas, não me deixava avançar nas outras matérias. Aquele padre casou. Mesmo não usando batina, a gente dizia que ele havia deixado a batina para se casar. Não sei se sua musa carregava sa seviette contra o peito, na sua época de estudante ou mesmo depois, mas é bem provável que sim. Se ela carregasse uma mochila com 10 kg nas costas, duvido que tivesse cativado o padre. Logo ele com voto de castidade (alguém me lembrou que agora, época de mochilas nas costas, os padres são outros).

Mochila só para viagens, galáxias afora, se for o caso. Menos mal que meninos conduzam mochilas de dez ou mais quilos nas costas para a escola, como carregadores. As meninas não. É prático, mas não é bonito. Não gosto de ver.  Aposto que aquele padre, como eu, amava a diferença. Ele teria ensinado: Vive la différence!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

ANTISSEMITISMO EM CASA-GRANDE E SENZALA


Júlio Chiavenato, no seu livro O Negro no Brasil, ao analisar a ideologia do branqueamento, tangenciou o tema do antissemitismo existente implícito na obra de Gilberto Freyre. Alias, o autor assevera que o racismo contra judeus e negro, andou sempre junto no Brasil e esquematiza assim a ideologia subjacente:

O negro é passível de escravidão, não tem alma, é inferior; a escravidão no Brasil é benigna.

O judeu é passível de perseguição, é herege, é avarento; o antissemitismo no Brasil é ameno.

Assim estariam justificados a escravidão e o antissemitismo. Cita ainda Chiavenato que um autor incorpora sobremaneira essa ideologia nos seus trabalhos: Gilberto Freyre.

De fato, examinando sua obra maior – Casa-Grande e Senzala, assim também nos parece. Há citações sobre os judeus no texto e nas notas, às páginas 8, 18, 56, 71, 207, 215, 226, 228, 229 e 267, da 25ª edição, da José Olympio Editora. Examinemos apenas as citações das páginas 226 e 228.

Citando Chamberlain, o autor assume a seguinte posição sobre os judeus: Inimigos do trabalho manual, o judeu desde remotos tempos inclinou-se à escravidão, e acrescenta: o certo é que na Península muitos dos judeus mais longínquos de que se tem notícias foram donos de escravos cristãos e possuíam concubinas cristãs.

Mais adiante, assim se pronuncia o mestre: Técnicos da usura, tais se tornaram os judeus em quase toda parte por um processo de especialização quase biológica, que lhes parece ter aguçado o perfil no de ave de rapina, a mímica em constante gesto de aquisição e de posse, as mãos em garra, incapazes de semear e de criar. Capazes só de amealhar.

Em ambas as citações, Gilberto Freyre se escora em outros autores: Chamberlain, no primeiro e na segunda, Max Weber, o que aparentemente o isentaria de qualquer acusação de racismo.

Havia, no entanto, outras fontes para consulta, e por elas chegaria, o grande mestre, a um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade dos judeus na Península Ibérica e alhures. Não foi essa, porém, sua escolha.

Freyre poderia, por exemplo, saber que no período da conquista árabe da Península Ibérica, os judeus concentravam sua atividade na Agricultura e não no Comércio ou usura, como aponta na sua obra. Segundo Poliakov, isso ocorreu a tal ponto que a maior parte da legislação do Talmude foi elaborada em função de um povo de agricultores.

No período da reconquista da Espanha, foram os judeus que nos territórios tomados aos árabes, deram grande impulso à viticultura eles mesmos zelando pela sua valorização. Ou seja, a viticultura, seria à época, uma especialização do gênio judaico. No entanto, três séculos depois estava transformado em um povo de comerciantes.

Poliakov registra ainda que no século XII, houve na Espanha muitos agricultores judeus estabelecidos em terras próprias e até mesmo colônias agrícolas judaicas. Outros, talvez a maioria, moravam nos burgos fortificados, onde eram encarregados da sua organização e fortificação e até mesmo de sua defesa, não se constatando a tal especialização em usurários.

É certo que por esse tempo também existiam judeus ricos e como a escravidão já existia, é de se supor que, como todos os potentados da época, também possuíssem escravos, não sendo isso nenhuma indicação de especialização judaica.

A observação absurda e claramente depreciativa de especialização em ave de rapina deve ser considerada de um ângulo histórico semelhante e com as devidas reservas.

Que sentimento desenvolveria um povo a respeito de dinheiro, se fosse obrigado a pagar por todos os detalhes de sua existência, pagando para ir e vir, para poder vender ou comprar, para ter o direito de rezar em comum, para casar-se, pelo filho nascido e também pelos seus mortos, e que mesmo sobrevivendo sob essa situação, vivesse sempre sobressaltado, ameaçado de expulsão?

A leitura de Casa-Grande e Senzala é fundamental e recomendável, como ensaio sobre a identidade nacional e mesmo como obra literária, mas deve ser feita com cuidado, a fim de que não se perpetuem as noções erradas e racistas, que efetivamente contem.