Nunca
gostei de carnaval. Tá certo que vem de longe, que serve de extravasamento e de
válvula de escape das pressões do ano inteiro, mas não vai com o meu temperamento.
Passa-me a sensação de alegria encomendada com dia para começar e terminar.
Minha
lembrança mais antiga sobre a festa, me pega maldizendo o período que estava
para iniciar. Eu era muito novo para racionalizações religiosas ou morais a
respeito. Acredito que meu afastamento se dava e se dá pela sensação de
desorganização, desregramento e mau gosto. Exemplos disso eram antigamente os
chamados assaltos carnavalescos, verdadeira invasão de privacidade, ou os conhecidos
Ursos que perambulavam pelas ruas, acompanhados de crianças, pedindo dinheiro,
e ainda alguns foliões isolados vestidos de mulher, outros de penico na mão, com
cerveja e algumas lingüiças dentro, à guisa de cocô e urina.
Em
um clube que ficava próximo ao hoje Mercado da Cobal, em Mossoró tive minha
primeira experiência de baile carnavalesco. Minha mãe consentia que nossa
vizinha, Fransquinha me levasse para as festas que lá ocorriam. Talvez tivesse uns
dez anos de idade, e Fransquinha, já moça feita, dizia que era minha namorada. Iniciada
a festa com o tradicional toque de Zé Pereira, a única coisa que fazíamos era pular
e rodar em torno do centro do salão a cada música que era tocada pelo pequeno
conjunto musical. Pulávamos o carnaval, como se dizia. Em um daqueles carnavais,
as conversas sobre uma moça (o nome já se foi), que sob os efeitos do lança-perfume,
teria perdido o que não era para perder, pelo menos naquelas circunstâncias. Tenho a impressão que, nas fofocas
sobre o fato, as outras moças deixavam escapar, por trás dos comentários maldosos
e misteriosos, um pouco de inveja do ocorrido. O tal do lança-perfume (chamávamos
cloretil),tinha a
marca Rodouro e foi muito utilizada nos carnavais brasileiros nas
chamadas batalhas de confetes, até que os foliões descobriram que inalado dava barato. A partir de então, o desodorizador em forma de spray foi proibido nos salões.
Durante
longos anos, nosso carnaval de meninos pobres dos paredões, consistia em ir até
o centro da cidade para ver o corso automobilístico. Permanecíamos em frente ao
Cine Pax, feito bobos, observando os carros que percorriam no seu trajeto, as
principais ruas do centro comercial de Mossoró. Os carros, na sua maioria
descobertos e enfeitados, passavam e passavam, e os foliões sempre cantando e
dançando sobre eles. Na volta para casa tentávamos, e na maioria das vezes conseguíamos,
penetrar nos bailes que aconteciam no Clube Ypiranga. Lembro dos planos para desviar
a atenção dos leões de chácara que ficavam, às vezes na porta, às vezes ao pé
da escada que dava acesso ao salão onde se desenrolava o baile, impedindo a nossa
entrada, por menores e por pobres que éramos. Lá dentro, estranhos no ninho, pulávamos
o carnaval dos ricos, esperando a qualquer momento o convite para cair fora. Coisa
de crianças.
O
tempo passou e aí pelos quarenta e tantos anos, fugi com a família, do burburinho
sem graça do carnaval, para as saudáveis águas do Hotel Termas. Mas entre uma
cerveja e outra, por iniciativa de um grupo de baianos presentes, tive minha
última experiência carnavalesca. Começamos a dançar e, como se dizia
antigamente, a pular o carnaval. Outros grupos se formaram e de repente estávamos,
como sempre, pulando e rodando, dessa vez em torno das piscinas do resort.
Com
o passar dos anos e com a descaracterização de tudo, o carnaval perdeu a sua
periodicidade e passou a ser promovido também fora da época certa (hoje, até
aniversário se faz fora de época). Já sem cunho cultural, transformou-se de vez
em atividade meramente comercial, paraíso das drogas e da falta de pudor.
Quando
vejo as notícias de que os bancos de sangue, estão sendo abastecidos, os
hospitais preparados, a distribuição de camisinhas programada e as polícias engajadas
numa verdadeira operação de guerra para enfrentar o carnaval que se aproxima,
só me resta torcer pela população e rezar para que durante a festa, chova três dias
sem parar.