domingo, 30 de janeiro de 2011

2011 - ANO DA ITÁLIA NO BRASIL


 Com a desestruturação do Império Romano surgiram vários pequenos estados na península itálica. Reinos, Principados e Ducados se sucederam, mantendo-se, contudo, a noção de origem comum. O movimento visando à reunificação reforça-se a partir do Congresso de Viena de 1814. Chamar-se-á Risorgimento, contemplando a idéia de que a Itália estava apenas desunida, mas sempre existira. Ao fim de um longo processo de lutas, em março de 1861, proclama-se a fundação do Reino da Itália, que neste 2011, completa 150 anos. Em homenagem ao fato, a Ferrari denominou o carro que será pilotado na Formula 1, de F150. Um dos projetos a nível internacional em curso é denominado Grande Italia 150 anni, e destina-se às escolas de países nos quais a imigração italiana foi significativa, como no Brasil.
Apesar do imbróglio Battisti, a presidente Dilma Rousseff foi convidada pelo governo italiano para participar das festividades. Argentina e Uruguai também não ficarão de fora, pois juntamente com o nosso país, são na America Latina, aqueles com o maior contingente de imigrantes italianos.
Quero relembrar, neste Ano da Itália no Brasil, um fato importante, quanto ao início histórico do Risorgimento, envolvendo a família Burlamacchi, cujos descendentes no Nordeste tem origem com a chegada ao Piauí, em 1806, do militar Carlos Cesar Burlamaqui. Os acontecimentos a que aludo, comprovam o perene sentimento de identidade étnica existente na população da velha bota, que terminariam por desaguar no atual estado italiano.
Refiro-me a Francesco Burlamacchi, Gonfalonieri di Justicia, espécie de Presidente da República de Lucca, que juntamente com Leone Strozzi, tentou, já em 1546, um levante, que unificaria as regiões da Toscana, Umbria e Romagna.
Francesco, através de um plano, conduzido no mais absoluto segredo, sonhava libertar do poderio papal, Pisa, Pistoia, Florença, Arezzo e se possível, Perugia e Bolonha, juntando-as às repúblicas de  Sienna e de Lucca, formando uma confederação. O complô foi traído e Francesco, condenado pelo crime de lesa majestade, e acusado de heresia pela igreja, foi morto, decapitado em Milão em 14 de fevereiro de 1548. 

O sonho de Burlamacchi se inspirava tanto nas comunas medievais livres, como na liga das doze antigas cidades etruscas. Para Mary Hewlett, o seu senso histórico e patriótico, foi uma resposta direta ao apelo feito por Machiavelli, em Il Principe, para a salvação da Itália. Após sua morte foi visto contraditoriamente como traidor, herético, louco, herói da liberdade, ateu, e ainda como um martir da causa protestante.
Sua família foi obrigada a fugir da Itália, refugiando-se na Suíça, onde depois nasceria seu neto, Jean Jacques Burlamaqui, cujos trabalhos na área jurídica, haveriam de influenciar as idéias democráticas na Europa e América. Ray Forrest Harvest, em Jean Jacques Burlamaqui: a liberal tradition in American constitutionalism, diz:

 Jean Jacques Burlamaqui as a source of American     constitutionalism has never before been treated.  Yet,he is, demonstrably, a primary source of  the theory voiced in the Declaration of Independence.
Os lucchesi escolheram esquecer Francesco, até que com o Risorgimento, foi redescoberto. Seu gigantesco feito motivou o governo da Toscana, em 23 de setembro de 1859, a nomear Francesco, por decreto, Primeiro Mártir da Unificação Italiana. Em 1863 sua estátua foi erigida na  Piazza San Michele em Lucca. A inscrição do pedestal diz:
FRANCESCO BURLAMACCHI patrizio e mercatante lucchese che il generoso pensiero di vendicare in libero stato e ordinare a reggimento comune Toscana, Umbria e Romagna principio a costituir la nazione. Glorificò col martirio il XIV di febbraio MDXLVIII. La Toscana libera decretava al XXIII di settembre MDCCCLIX primo dell'italiano risorgimento.
FRANCESCO BURLAMAQUI patrício e mercador de Lucca cuja generosa idéia de reivindicar em estado livre e sob regimento comum Toscana, Umbria e Romagna, principiou a construir a nação. Glorificou com o martírio o XIV de fevereiro de MDXLVIII. A Toscana livre decreta o XXIII de setembro de MDCCCLIX como o primeiro do resorgimento italiano.
Sua biografia foi escrita por Francesco Domenico Guerrazzi, em 1868, no livro Vita de Francesco Burlamacchi onde no final coloca a árvore genealógica da família, desde o ano de 1200. Sobre a família há, ainda, o livro Lucque et le Burlamacchi de Charles Eynard, escrito em Paris em 1848.
Pouquíssimas famílias de origem italiana, emigradas para o exterior, têm uma historia tão importante para contar. Nós, seus descendentes, nos orgulhamos de ter como exemplo, entre os nossos ancestrais, gente dessa estirpe, que contribuíram de alguma maneira para a grandeza da terra de Dante, Machiavelli e Petrarca.  

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

MON PLAISIRS DÉMODÉS


Charles Aznavour, pode-se dizer, foi o turning point para a música popular francesa, em termos de divulgação internacional, dando-lhe um toque de melancolia, talvez. De origem armênia, chama-se na verdade Shahnour Vaghinagh Aznavourian. Esse velho ator, compositor e cantor de melodias sentimentais, embalou com sua música, muitos sonhos românticos por todo o mundo.

Não foi fácil a sua caminhada, pois sendo baixinho, feio e com uma voz diferente, originalíssima até, era considerado sem a aparência e o carisma necessários para uma carreira de sucesso, especialmente cantando musicas amorosas.

O ano de 1955 foi-lhe terrível. Após sua primeira apresentação no teatro Olympia, em Paris, a crítica o rejeitou com gozação. Escreveu, naquele momento, um comentarista:

“Foi um prazer estar entre os primeiros que empreenderam uma viagem através dos séculos, ao tempo de Quasímodo e dos Mistérios de Paris. Vendo e ouvindo Mr. Aznavour podemos apenas perguntar: porque não cantar com uma perna-de-pau?”

Quasímodo, como se sabe, é personagem criado pelo escritor francês Victor Hugo, na sua obra Notre-Dame de Paris, também conhecida como O Corcunda de Notre-Dame. Tornou-se o protótipo da feiúra. “Os Mistérios de Paris” (Les Mystères de Paris) foi um folhetim barato publicado pela imprensa parisiense, na primeira metade do Século XIX, de autoria de Eugène Sue. As histórias se passavam no bas fonds parisiense.Na ralé. Dizem que Karl Marx, quem diria, foi fã ardoroso da série.

O cantor poderia ter utilizado o mesmo Victor Hugo para responder a critica, mas não o fez. Este, maldosamente atacado por Gustavo Planche, escreveu:

“... um cão forte se atirou bruscamente contra mim. A iminência de um pontapé o fez recuar.Por que essa fera me odeia? Há de ter sido homem, e invejoso. Talvez seja Gustavo Planche, promovido a cachorro.

Quando em 1972 Aznavour retornou vitorioso ao mesmo palco, já ninguém lembrava o nome daquele crítico. Desde então, não há quem desconheça o compositor e interprete de La Boheme, She (Tous le visages de l’amour) , The Old Fasioned Way (Les plaisirs démodés) e Au creux de mon epaule dentre outras. Moral da história: descubra o que você deseja, lute por esse sonho, esqueça a critica. Clique aqui e vejam-no, com a voz trêmula nos seus mais de 80 anos, cantando esta última canção, com a lindíssima Carla Bruni, primeira dama francesa, para nossa dupla satisfação.

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Oh! Mon amour,
Ne m'enlève pas le souffle de ma vie,
Ni mes joies,
Pour ce qui ne fut, qu'un instant de folie,

Oh meu amor,
Não me tire o hálito da vida,
Nem minhas alegrias,
Pelo que não foi senão um instante de loucura,
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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O MUNDO LÚDICO DO CIRCO



Certas imagens permanecem indeléveis na nossa memória. Como a primeira vez que fui a um circo. Ele se instalara bem próximo à nossa residência. Era pequeno e pobre, montado em um terreno baldio, em frente à residência de um parente nosso. Havia certa excitação no ar em torno do fato. Minha mãe falou:
- Durma à tarde porque à noite vamos ao circo. Mas o sono não vem quando a gente quer e lembro que tive meu primeiro momento de insônia – insônia diurna, à tarde. Do espetáculo todo, a criança de quatro pra cinco anos, guardou apenas a fascinação pelas alvas coxas da dançarina, que ela fazia aparecer no momento certo, em que se cantava uma música, muito comentada por todos:
- Ô xente, que bicho é esse?
Ela subia um pouco a saia já curta, mostrando o resto das pernas. Era o clímax. A platéia masculina respondia:
- É uma barata, pega a chinela e mata. Mas não havia barata; ou havia e os meus olhos infantis, pouco acostumados àquela luminosidade, não conseguia enxergar.
Quando se falou que o circo ia embora, tive talvez meu primeiro sentimento de perda. Acordei de madrugada pelos ruídos do desmonte e auxiliado por um tamborete, subi na janela para ver, pela última vez, os componentes do circo. Meu pai, acordado por algum ruído que fiz, veio, apreensivo, retirar-me da janela.
Depois, já adolescente, dos vários circos que se instalavam onde hoje existe a COBAL em Mossoró, um ficou-me também na memória. Bem mais sofisticado que o primeiro, vários animais, palhaços, acrobacias e uma garota morena, que foi naquele período a paixão de todos nós. Ela cantava e dançava. Sofria por não poder assistir aos espetáculos todas as noites. Um meu amigo podia, e eu morria de ciúmes. Durante o dia ficava arrodeando o circo pretextando ver os animais se alimentando: o elefante, os cavalos, o leão em sua fétida gaiola, mas o que eu queria era vê-la. Na maioria das noites, ficava no “sereno do circo”, invejando os que podiam entrar.
Agora, tanto tempo depois, pra variar, por desfastio, voltei a esse universo lúdico com quase toda a família. Foi no domingo, e foi melhor que a programação da televisão. Essa instituição que teima em sobreviver, resistindo a ser engolida pelo monstro televisivo, modernizou-se no que foi possível, sem perder suas características. O computador controla o som, a iluminação e as belíssimas águas dançantes, as lonas possuem sistema antichamas. A casa não estava cheia. Acreditei que o apresentador falava comigo quando fez o convite: voltemos todos ao tempo de criança. E tudo se repetiu. Primeiro bailarinas, que já não me surpreendem, depois os indefectíveis palhaços, que tanto enfeitiçaram Picasso e Federico Felini, um elefante, um camelo com corcovas um pouco caídas para o lado, uma simpática lhama, uma família de acrobatas. De mais perigoso apenas o globo da morte. E de novidade apenas essa nostalgia, encerrando mais um ciclo do meu entardecer.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O VALOR INATO DA NOSSA INDIVIDUALIDADE



De acordo com a psicologia profunda, desenvolvida pelo psiquiatra alemão Carl Jung e relacionada com o fenômeno do inconsciente, a experiência da individualidade, o sentir-se exclusivo e único, é um profundo mistério do ser que não podemos ter esperança de compreender racionalmente. O alvo do desenvolvimento psíquico de todo indivíduo – chamado por Jung de individuação - seria aproximar o mais possível, a percepção dessa  individualidade, ao arquétipo eterno do Self, espécie de imago dei – imagem de Deus – que habita nosso psiquismo.

Jung faz uma afirmação cheia de implicações: esse indivíduo arquetípico tem uma existência inconsciente a priori, ou seja, anterior ao desenvolvimento do nosso ego. O inconsciente é, pois, mais antigo e mais original que o ego. Nossa personalidade ímpar, diferenciada, teria assim, uma natureza transpessoal. Essa seria a razão para a idéia antiga de que cada pessoa tem sua própria estrela individual – o seu destino cósmico. 

A importância transcendental do nosso Self, esse sentimento de valor inato que não leva em conta proezas e realizações, faz Edwar E. Edinger, em Ego e Arquetipo dizer: ... é um erro identificar nossa individualidade com alguma função, talento ou aspecto de nós mesmos. Trocando em miúdos: a comparação do nosso desempenho, da nossa inteligência ou do nosso conhecimento, com o de outras pessoas, é um tremendo erro de julgamento. Somos obrigados a experimentar o fato de que nossa individualidade e valor pessoal estão alem de realizações particulares. Só assim, diz Edinger, nossa segurança não será ameaçada pelas realizações dos outros. E aqui temos o fecho de nossa reflexão: quando temos consciência da própria individualidade, percebemos que temos, já, tudo de que precisamos.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O SINAL DE RAMANITA



Conta Malba Tahan que Ramanita, mulher perfeita em virtude e beleza, por questão religiosa, teve que se recolher por longo período ao templo do deus Indra.Apaixonada pelo seu noivo Deybek,e temerosa de que na sua ausência outra tomasse seu lugar,  pediu àquele deus indu que durante seu período de reclusão, jamais surgisse uma mulher que pudesse dizer “minha beleza é impecável”.Foi imediatamente atendida no seu desejo. Meses depois, porém, durante uma caçada, seu querido noivo faleceu nas garras de um tigre, e de tristeza faleceu em seguida Ramanita - última mulher perfeita sobre a terra. Indra, fiel a sua promessa, continuou imprimindo em todas as mulheres, por mais belas que sejam, um traço qualquer de imperfeição que passou a ser chamado de – sinal de Ramanita. 

Dizem que às vezes o defeito esta na desproporção dos olhos; às vezes em um nariz avantajado, ou no queixo saliente. Quem sabe a boca é muito grande, ou é vesga, ou é muito baixa ou alta; formosa mas sem caráter, linda mas é estúpida, deslumbrante mas inexpressiva. Enfim – todas apresentariam o sinal de Ramanita.

Cupido, todavia, também chamado de Amor, criança descuidada e irresponsável, atira a esmo flechas envenenadas, cegando-nos àquele sinal. E apaixonados transformamo-las em musas.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

INESPERADO REENCONTRO COM O XADREZ




Costumo iniciar minha busca, na livraria do Shopping, pela estante dos livros esotéricos, onde posso encontrar algo sobre Maçonaria; ao lado estão os livros de auto-ajuda e depois, livros de Psicologia. Daí, passo rápido, mas sempre, nos livros de ensino de línguas e finalmente chego à saída, aos livros de literatura. Nesse setor, observava pela enésima vez, que agora pocket book significa livro escrito em língua estrangeira. Veja por exemplo que um dos volumes aí expostos – Fall of Giants, de Ken Follett, tem quase mil páginas, e The Lost Simbol,de Dan Brown, mais de quinhentas. Definitivamente não são livros de bolso. Enquanto assim pensava, fui surpreendido por um rapaz que até então se mantivera sentado, lendo calmamente.
- Senhor, por favor, desculpe. Por alguma razão acho que o senhor joga Xadrez, me desculpe se o estou incomodando. Respondi-lhe:
- Tudo bem, não, não jogo. Isto é já joguei bastante no passado, mas agora já não jogo.
Passou então a dizer que estava na cidade para estudar e que, como todo aficionado pelo jogo, estava querendo conhecer outros jogadores locais. Falou ainda sobre sua estadia em Natal, onde encontrara um bom ambiente enxadrístico. E completou:
- Se o senhor quiser, estou com o tabuleiro aqui e poderemos jogar uma partida. Faz dias que não jogo.
Não aceitei o desafio. Expliquei-lhe que já fora, talvez, um jogador regular, tendo estudado bastante e possuindo ainda vários livros sobre o assunto, mas agora já não jogava.
Terminada a conversa despedimo-nos. Sai da livraria sem me identificar e sem saber o nome do meu interlocutor. Segui para o cumprimento fiel do restante do nosso ritual de família de classe media baixa, sem muita opção, aos domingos no único Shopping Center da cidade: almoçar, ir à livraria, visitar as lojas de variedades e finalmente o cafezinho.
Nós os mais idosos, vamo-nos transformando em baús de memórias. O diálogo trouxe-me de volta todo o prazer que proporciona esse jogo milenar. As lendas que envolvem o jogo, as idiossincrasias dos campeões, os estudos das aberturas, do meio-jogo e dos finais, algumas disputas, vieram rápidos à memória. Em especial lembrei-me de um determinado autor que fora objeto de minhas leituras constantes: Ludek Pachman. Seus livros Estratégia Moderna do Xadrez – sobre o meio jogo, e Práctica de los Finales en el Ajedrez, foram ambos exaustivamente utilizados por mim.O primeiro considerado pelo autor como o seu melhor livro. Ludek, por suas atividades políticas na década de 70, sofreu o diabo nas mãos dos comunistas checos, até que foi permitido que emigrasse para a Alemanha Ocidental.
Lembrei-me, ainda, que muito depois de já ter abandonado a prática, mantive um programa de Xadrez no computador, mas fui perdendo as partidas cada vez mais rapidamente até que deixei pra lá. A conversa inusitada e o convite, algo desesperado, desse rapaz, acordou em mim todo esse universo quase esquecido. Quem sabe, mais adiante, volte a praticar o Chaturanga. Pelo menos para manter afastado aquele velho senhor alemão que ameaça a todos no final da vida – o tal de Alzheimer.